Taleban recruta crianças pobres em campos de refugiados no Paquistão

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Por adrianacarranca
Atualização:

Adriana Carranca - O Estado de S.Paulo ENVIADA ESPECIAL PESHAWAR, PAQUISTÃO

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Os campos de Jalozai, a 35 quilômetros de Peshawar, no Paquistão, abrigaram milhões de refugiados da invasão soviética no Afeganistão, nos anos 1980. Sob um mar de tendas, foram recrutados meninos pobres para viver nas madrassas da fronteira, onde a comida era garantida e a estadia em melhores condições do que nos campos; ali eles receberam educação religiosa e treinamento militar para a jihad contra os comunistas. Anos depois, foram esses estudantes (taleban, em árabe) que dominaram o país vizinho sob seu regime radical islâmico e terminaram depostos pelas forças de coalizão lideradas pelos EUA, após os atentados do 11 de Setembro.

Trinta anos depois, a história se repete. Novos refugiados chegam todos os dias, agora escapando dos bombardeios na fronteira, como o que foi realizado ontem pelos EUA. Cinco pessoas morreram e sete ficaram feridas na zona tribal do Waziristão do Sul. Foi o segundo ataque do tipo desde a operação que matou o líder da Al-Qaeda Osama bin Laden, em Abbottabad, no dia 2.

Os ataques em solo paquistanês são o ponto mais conflituoso da aliança do Paquistão com os EUA na guerra contra o terror. Foram iniciados oficialmente em 2008, ainda no governo de George W. Bush, embora antes disso tenham havido episódios, sempre motivo de hostilidade entre dois países. Em 2009, o presidene Barack Obama ordenou a intensificação desses ataques - não comprometem soldados americanos e desestabilizam a fronteira onde se acredita que o comado do Taleban esteja vivendo.

No primeiro discurso oficial, na segunda-feira, sobre a morte do terrorista Osama bin Laden em uma operação americana Abbottabad, no Paquistão, o premiê paquistanês, Yousuf Raza Gillani, disse que esse tipo de ataque fere a soberania do país. Mas muitos acreditam que as autoridades paquistanesas façam jogo duplo. Ou seja, permitem os ataques americanos - Washington afirma que as operações têm aval dos militares do Paquistão -, embora digam o contrário à opinião pública interna, que quer os EUA fora do país.

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Um desses ataques aéreos destruiu a casa e as terras do agricultor Said, na vila de Bajoor. Ele deixou tudo para trás e fugiu a pé com a mulher e os 11 filhos, que hoje dividem um conjunto de tendas no campo de Jalozai. Antes de fugir, o pai pensou em dar os meninos aos taleban. Pelo menos, eles teriam comida, moradia decente e educação gratuita. Mas o pai não teve coragem. Sabe bem qual seria o futuro dos seus filhos e, então, levou-os consigo.

As crianças deixaram a escola. A comida é uma ração distribuída por agências humanitárias. Não há luz e a água, amarelada e suja, é tirada de poços deixados por refugiados afegãos dos tempos da luta contra os soviéticos.

Cerca de 300 mil desabrigados pelos conflitos na fronteira com o Afeganistão vivem hoje nos campos de Jalozai. A maioria quer voltar, mas não tem para onde ir, já que o lugar onde moravam foi destruído. "Ficamos no fogo cruzado. Lá, morremos de tiro. Aqui, morremos de fome", diz Said.

Outro pai de família, Mohamed Ullah, de 45 anos, conta que o Taleban tentou impor seu regime na região. "Eles tentaram trazer mudanças sociais para ganhar a população das vilas. Você sabe, nas madrassas as crianças têm onde morar e o que comer. Nós não temos ideologia, mas, sem alternativa, muitos mandaram seus filhos para essas escolas", diz.

Foi em Bajoor que o primeiro ataque do tipo foi conduzido pelas forças americanas, em janeiro de 2006, supostamente contra o número 2 da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri. A operação deixou 18 mortos, mas ele escapou.

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Após 2008, com o aumento dos bombardeios, os taleban fugiram para as montanhas. "Vi esses meninos (do Taleban) serem treinados pelo ISI (serviço secreto do Paquistão)", lembra o motorista Awal Khan, de 54 anos, do vilarejo de Daradam Khel. "Nós os criamos e, agora, eles querem nos destruir." Pressionado pelos militares, um vizinho de Khan teria dado informações sobre insurgentes na região. Dias depois, seu corpo apareceu decapitado no vilarejo.

"As forças do Paquistão e dos EUA, que treinaram essa gente, agora nos acusam de contribuir com eles. Mas não é verdade. Os taleban são leões das montanhas. Eles somem feito baratas, em segundos, escondem-se nas cavernas. Então, vêm os americanos e nos bombardeiam. Os militares paquistaneses vasculham nossas casas, torturam nossos filhos. Nós, paquistaneses, estamos no meio do fogo cruzado."

Texto publicado, parcialmente, no Estadão.

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