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Os Hermanos

Inflação argentina acumula mais de 33% desde janeiro (tudo isso com uma pitada de Edvard Munch enquanto o país teme saques a estabelecimentos comerciais em dezembro)

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Por arielpalacios
Atualização:

Em 2012, durante uma dissertação na Universidade de Harvard, nos EUA, a presidente Cristina Kirchner disse que um país com uma inflação de 25% seria "ingovernável" e que "a Argentina explodiria".

Na nota acima uma paródia do quadro do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944), "Skrik" (O Grito). Esta é uma nota com intervenção artística da comunidade "Los billetes andan diciendo"("As notas estão falando") que nas redes sociais conta com mais de 200 mil seguidores. Seus participantes, - com a típica ironia argentina - "intervêm" artisticamente as notas de pesos, que cada vez valem menos. Ou, que no caso das notas de 2 pesos, não servem para quase mais coisa alguma, a não ser fazer desenhos em cima delas. As efígies originais são transformadas em personagens como Walter White, o protagonista de Breaking Bad; Ossama Bin Laden, o vilão dos Jogos Mortais, Charles Chaplin, Darth Vader e até um disco voador...

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Os números do governo são substancialmente inferiores aos cálculos de diversas entidades que nos últimos anos criaram índices paralelos.

Segundo a média do cálculo das principais consultorias econômicas portenhas, divulgada pelos partidos da oposição no Parlamento (denominado de Índice-Congresso) a inflação argentina de outubro foi de 2,25%. A alta acumulada desde janeiro teria sido de 33,25%. Nos últimos doze meses o aumento da inflação foi de 41,25%, segundo o cálculo elaborado no Parlamento.

O Índice-Congresso começou a ser elaborado há três anos como alternativa ao manipulado cálculo oficial. Segundo os parlamentares, "a recessão continua elevada, apesar do contexto recessivo".

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Outro índice, do Departamento Geral de Estatísticas da cidade de Buenos Aires, sustenta que a inflação de outubro foi de 1,9%. O total acumulado neste ano é de 33,6%. A inflação dos últimos doze meses seria de 33,6%.

Outra medição paralela da inflação, a realizada pelo movimento social de esquerda "Bairros em Pé", que organiza refeitórios populares nos bairros pobres, o aumento da inflação acumula mais de 33% desde o início deste ano.

Outra intervenção artística. Neste caso, a nota de 50, com o presidente Sarmiento transfigurado em Capitão América. Atualmente, só sendo mesmo super-herói para defender o desvalorizado valor das notas. Com uma destas, há 10 anos, uma pessoa solteira fazia sua compra do mês no supermercado. Atualmente, essa pessoa compra um pacote de pão de forma.

MANIPULAÇÕES - O Indec é alvo de acusações de manipulação dos índices desde janeiro de 2007, quando o organismo foi colocado sob intervenção federal, que implicou na demissão dos técnicos que não concordaram em participar da alteração dos dados. Além de críticas dentro da Argentina, a maquiagem dos índices também foi condenada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que aplicou sobre o governo Kirchner uma "moção de censura".

O Prêmio Nobel da Economia de 2008 Paul Krugman, escreveu em sua coluna no jornal "The New York Times" que "a Argentina parece realmente ter muito mais inflação do que o governo admite".

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Os analistas em Buenos Aires sustentam que o combate à inflação terá que ser uma prioridade para o próximo governo, a ser eleito em outubro do ano que vem.

Segundo a consultoria Ecolatina, o PIB terá uma queda de 4% no último trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. A consultoria Miguel Bein e Associados considera que a queda será 5%.

O economista José María Fanelli, do Centro de Estudos de Estado e Sociedade (Cedes) em conferência no seminário anual da consultoria Abeceb, afirmou que "economia alguma tolera por muito tempo a estagflação".

O jedi Obi Wan Kenobi nesta nota de 2 pesos em superposição à efígie original, do presidente, jornalista e historiador Bartolomé Mitre.

TEMOR A SAQUES E PEDIDO DE ALIMENTOS - O secretário de Segurança Sergio Berni declarou na segunda-feira que recebeu "relatórios confidenciais" sobre a preparação de possíveis "saques localizados" a estabelecimentos comerciais ao longo de dezembro, especialmente ao redor do Natal e Reveillon. Segundo Berni, os organizadores dos planos de saques seriam a organização social "Bairros em pé", partidos da oposição, além de setores do "velho e arcaico" peronismo, em referência aos grupos do Partido Justicialista (Peronista) que não estão alinhados com o governo da presidente Cristina Kirchner.

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A Casa Rosada e governadores das províncias, além de prefeitos, temem uma nova fase de saques, tal como os ocorridos em dezembro do ano passado, quando mais de 3 mil lojas foram saqueadas em toda a Argentina. Fontes do governo indicam que as autoridades distribuirão sacolas com alimentos nos dias prévios ao Natal para acalmar os ânimos dos setores empobrecidos pela escalada inflacionária. As principais ações estarão focalizadas nos municípios da Grande Buenos Aires, onde concentram-se os conflitos sociais.

O secretário Berni, que gerou polêmica há um mês ao respaldar uma proposta para a deportação de imigrantes estrangeiros que cometam delitos na Argentina, afirmou que o governo está organizando-se para enfrentar a ameaça. Segundo ele, os saques não são decorrência de "conflitos sociais", mas sim, protagonizados por grupos políticos que "pretendem provocar uma explosão social".

Na semana passada organizações sociais comandadas pela "Bairros em pé", exigiram de 25 supermercados na região metropolitana de Buenos Aires a entrega de comida para 8 mil famílias para "ter um Natal e Reveillon digno".

A "Bairros em pé" retrucou as acusações do secretário Berni, afirmando que não planejam saques e que pedem alimentos "de forma pacífica".

A "Bairros em pé" é um movimento de esquerda que durante vários anos foi aliado do governo de Cristina Kirchner, até que rompeu com a Casa Rosada. A organização mobilizará seus militantes à Praça de Mayo amanhã (quarta-feira) para insistir no pedido de distribuição de comida gratuita para setores empobrecidos.

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Há dois meses, em discurso em rede nacional de TV, a presidente Cristina afirmou que acredita que "alguns setores" estavam preparando "manobras" de desestabilização por intermédio de "explosões sociais" montadas.

CHINESES ASSUSTADOS - A Federação de Supermercados e Associações Chinesas da Argentina fez um apelo ao governo para que em dezembro forneça uma segurança reforçada aos estabelecimentos comerciais que pertencem a integrantes dessa comunidade. Nos últimos 20 anos os chineses implantaram pequenos supermercados nos bairros mais pobres da Grande Buenos Aires, evitados pelas grandes redes. Os chineses controlam quase a totalidade dos supermercados de pequeno e médio tamanho da área metropolitana de Buenos Aires.

No ano passado vários comerciantes chineses foram agredidos durante os saques. Um deles morreu queimado defendendo seu estabelecimento ao qual os saqueadores haviam ateado fogo. "Este é um ano mais sensível", afirmou Miguel Calvete, porta-voz da Associação.

DESEMPREGO E RECESSÃO - Na semana passada o governo Kirchner admitiu que o desemprego no país aumentou de 6,8% para 7,5% da população economicamente ativa ao longo do último ano. A cidade de Córdoba, um dos principais centros industriais, localizada na região central da Argentina, está sendo afetada por uma onda de demissões de montadoras e fábricas de autopeças. Ali, o desemprego passou de de 8,99% para 11,6%. Córdoba foi o cenário dos principais saques a estabelecimentos comerciais e residências no ano passado.

As consultorias econômicas em Buenos Aires sustentam que 2014 será encerrado com uma queda de 2% a 3% do PIB. No entanto, o governo Kirchner afirma que o PIB crescerá 0,5%.

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Enquanto que os cálculos dos economistas para 2015 indicam que o PIB oscilará entre uma queda de 1% e um aumento de apenas 0,5%, o ministro da Economia, Axel Kicillof, prevê uma alta de 2,8%.

O histórico dos saques em massa na Argentina começou em 1989, quando centenas de estabelecimentos comerciais foram depredados nos arruinados municípios da Grande Buenos Aires durante o período da hiperinflação. O governo do então presidente Raúl Alfonsín (1983-89) decidiu apaziguar a população com a distribuição de comida grátis durante meses.

Nos anos 90 foram registrados saques em pequenas cidades do interior, que empobreceram rapidamente a partir do processo de privatizações do governo do ex-presidente Carlos Menem (1989-99).

Em dezembro de 2001 a Argentina estava à beira do colapso total, já que a crise econômica - agravada pelo "corralito" (o maior confisco bancário da História argentina) - levou à pobreza milhões de argentinos de um dia para outro. As principais cidades do país transformaram-se em um violento cenário de batalhas campais entre desempregados que saqueavam supermercados e a Polícia.

Em dezembro do ano passado, junto com o ressurgimento dos problemas sociais no interior do país, dezenas de milhares de pessoas aproveitaram uma onda de greves das forças policiais em dois terços das províncias argentinas para saquear mais de 3 mil lojas e supermercados além de 1.500 residências, especialmente nas cidades de Córdoba e Tucumán. Os saques, intermitentes, duraram uma semana.

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MENOS CARNE - A Câmara da Indústria da Carne (Ciccra) anunciou que o consumo da carne bovina - elemento fundamental da mesa cotidiana dos argentinos - registrou uma queda de 6% desde o início deste ano. Em média, os diversos cortes de carne bovina tiveram aumentos de 56% desde janeiro.

 

 

 

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra). Em 2013 publicou "Os Argentinos", pela Editora Contexto, uma espécie de "manual" sobre a Argentina. Em 2014, em parceria com Guga Chacra, escreveu "Os Hermanos e Nós", livro sobre o futebol argentino e os mitos da "rivalidade" Brasil-Argentina.

No mesmo ano recebeu o Prêmio Comunique-se de melhor correspondente brasileiro de mídia impressa no exterior.

 
 

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