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Os Hermanos

"Nos anos 70 Londres ofereceu um condomínio na soberania das Malvinas"

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Por arielpalacios
Atualização:

Mapa de 1764 mostra as ilhas "Malouines". Em 1974 a Grã-Bretanha propôs a entrega das Malvinas para a Argentina em 2073. Mas, o projeto foi anulado por uma mudança de governo em Londres e a morte de Perón em Buenos Aires.

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Em 1974 a Grã-Bretanha propôs à Argentina um acordo no qual as ilhas Malvinas passariam formalmente para o Estado argentino em um prazo de 99 anos. No entanto, os planos foram cancelados repentinamente por uma simultânea troca de governo em Londres e a morte do presidente Juan Domingo Perón na Argentina. Esse foi um dos vários pontos de idas e vindas das tumultuadas conversas anglo-argentinas sobre a soberania das Malvinas, arquipélago denominado de "Falklands" pelos ingleses. "O lobby dos ilhéus contra a Argentina sempre foi muito forte em Londres...e muito bem financiado", disse em entrevista ao Estado o embaixador Vicente Berasategui, veterano da diplomacia argentina. Atualmente aposentado, Berasategui acompanhou as negociações entre Londres e Buenos Aires desde 1966 e foi embaixador na Grã-Bretanha no início da década passada.

Estado - Nos anos 60 a Grã-Bretanha estava disposta a entregar a soberania das ilhas à Argentina?

Berasategui - Em 1966 estava na chancelaria argentina em Buenos Aires. Nesse ano, houve uma visita muito importante, a do secretário de relações exteriores da Grã-Bretanha, Michael Stuart. Foi importante para dar início às negociações. Em 1965 havíamos conseguido a aprovação da resolução da ONU, que solicitava que o processo de conversas começasse. Mas, as coisas complicaram-se em Londres, no Parlamento. E as negociações permitiram um memorando de entendimento. Na época, um dos integrantes do governo britânico, Lord Charlton, que era uma figura importante do Forgein Office, disse que considerava que era necessário chegar a um acordo com a Argentina porque "mais cedo ou mais tarde" as coisas desandariam e poderia haver uma guerra. Essa ideia foi rejeitada no Parlamento. E nisto houve influência fortíssima do lobby dos ilhéus, que sempre foi muito bem financiada. Por trás disso estava a Falklands Company, que na época tinha muito mais peso do que tem atualmente. Este foi o fim de um primeiro esforço. Depois, em 1971, houve o estabelecimento de comunicações com as ilhas. E graças a este acordo, o governo argentino da época decidiu investir e construiu uma pista aérea nas ilhas, um serviço de transporte dos ilhéus para emergências médicas que seriam tratados no continente, além de bolsas de estudo para o segundo grau e universidade na Argentina.

Estado - Há uma população de ilhéus que teve fortes vínculos com a Argentina, ao contrário dos jovens residentes atualmente nas Malvinas...

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Berasategui - Sim. Mas, é preciso levar em conta que a população das ilhas é extremamente flutuante. Muitas pessoas vão embora, outras vem, voltam a partir...A vida nas ilhas é muito dura. A ideia de conquistar a simpatia dos ilhéus é algo muito relativa. O ilhéu que é seduzido hoje não necessariamente vai estar morando nas ilhas daqui a dez anos...

Estado - Nos anos 70 a Grã-Bretanha, que já havia perdido várias colônias em todo o mundo, inclusive a Guiana, que virou independente, tentou um acordo com a Argentina?

Berasategui - Em 1974 os britânicos propuseram à Argentina um "condomínio" sobre as ilhas. O então presidente Juan Domingo Perón foi consultado pela chancelaria argentina. "Sim!", exclamou Perón. "A partir do momento em que a gente esteja ali nas ilhas, ninguém nos mandará mais embora", acrescentou o presidente. Ele tinha razão. Mas, logo depois, houve uma crise de governo em Londres, eleições, e mudou o partido no poder. E além disso, duas semanas depois, Perón morreu. A Argentina ainda não havia respondido à proposta britânica quando o novo governo em Londres retirou a proposta. A nova administração disse que uma proposta assim só valeria se os ilhéus estivessem de acordo. Mas os ilhéus não queriam isso. Depois disso, veio a iniciativa de uma negociação tipo Hong Kong, que os britânicos propuseram. Fomos demasiado generosos com eles, pois, aceitamos coisas que nem os britânicos achavam que íamos aceitar, entre elas, um lease-back (transação na qual um lado vende a propriedade e aluga a mesma por um período de longo tempo) de 99 anos. Na época, o governo militar queria aceitar qualquer coisa. Mas aí veio o lobby dos ilhéus, a oposição no Parlamento. A última palavra foi do conselho dos ilhéus, além de dizer que não, afirmaram que a Argentina teria que congelar seu pedido de soberania por 30 anos, algo que não dava para aceitar. O problema é que os britânicos, internamente, nunca conseguiram combinar uma posição. E Londres ficou refém daquilo que os ilhéus digam. Isto é, a política britânica com a Argentina no caso das Malvinas é o que os habitantes das ilhas digam. É um disparate...

J.D.Perón, em junho de 1974, poucos dias antes de morrer. Seu falecimento e a quase simultânea troca de governo em Londres colocaram à pique conversas sobre saída das Malvinas à moda de Hong Kong

Estado - Os kelpers usam o argumento da auto-determinação, para indicar que são livres de decidir se querem ou não alguma aproximação com a Argentina...

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Berasategui - O princípio de autodeterminação aplica-se a populações submetidas e colonizadas. Não é o caso dos ilhéus, que não é uma população nativa. A idéia de auto-determinação é perigosa, mais ainda agora, que as ilhas tem muito dinheiro graças às licenças de pesca. E mais, se realmente houver petróleo. Mas, se a auto-determinação valesse sempre, o que seria de nossos países, feitos por imigrantes? Ou por acaso Londres permitiria que os escoceses ou galeses digam o que o governo britânico deveria fazer em relação à Grécia ou Ucrânia?

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Estado - Em 1982 o general Leopoldo Fortunato Galtieri e a cúpula militar acreditavam piamente que os EUA ficariam neutros no conflito com a Grã-Bretanha?

Berasategui - Quando Galtieri toma a decisão de desembarcar nas ilhas, por um compromisso com o almirante Anaya - que o havia respaldado para ser presidente meses antes - nas forças armadas existia a crença de que os EUA respaldariam a Argentina, já que o país havia colaborado com os americanos na América Central. Os integrantes da Junta Militar estavam convencidos de que o governo de Ronald Reagan estava agradecido ao governo argentino e que ficaria neutro.

Estado - O governo militar, intensamente anticomunista, quando viu que os EUA não ficariam do lado argentino, ou pelo menos em posição neutra, começou uma espécie de "travestismo ideológico" ao pedir ajuda à Líbia e tentar um respaldo da URSS, entre outros...O regime estava unificado nessa virada?

Berasategui - Havia divisões internas sobre isso. Quando o chanceler Nicanor Costa Méndez foi à reunião de países não-alinhados em Havana, onde reuniu-se com Fidel Castro. Na ocasião, o representante da Força Aérea argentina disse que de jeito nenhum iria a Cuba e não embarcou no avião. O governo estava muito dividido sobre isso.

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Estado - O que recomendaria para as conversas anglo-argentinas daqui para a frente?

Berasategui - Acho que ambos lados devem baixar o nível de confronto. Os britânicos tampouco ganham com esta situação atual, onde navios da Royal Navy encontram obstáculos na região. Além disso, a envergadura da América do Sul é de tal tamanho hoje em dia, que será difícil para os britânicos recuperar a influência que tiveram passado na área. Talvez faça falta um período de calma. E depois veremos. Temos que ver se a Grã-Bretanha se importa ou não pela relação com a Argentina e o resto da região. Teríamos que "desensillar hasta que aclare" (descer da sela até que a neblina desapareça).

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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