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Os Hermanos

Semana funérea, parte 2: O suicídio, a espingarda e o dedão

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Por arielpalacios
Atualização:

"Suicídio" vem do latim 'suicidium', que vem da expressão 'sui caedere', isto é, matar a si próprio. Os gregos a chamavam de 'autólise', que vem de ???? (auto) e ?????(pronúncia: "lúsis", que significa 'destruição'). O quadro é "Le suicidé" (O suicida), pintado entre 1877 e 1881 por Édouard Manet (1832-1883). Nada a ver com o assunto, mas Manet passou pelo Brasil em 1849 quando estava no navio-escola "le Havre et Guadeloupe". Os especialistas afirmam que um certo touch 'exótico' em algumas de suas pinturas viria desse período breve nas costas brasileiras.

Próximas postagens: Defuntos & nomes de ruas, a necromania argentina e "El Descamisado" (o anabolizado funéreo monumento).  

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"Não atirem, o patrãozinho se matou!".  Como epitáfio, estas palavras parecem pouco eloquentes para o suicídio de um suposto mafioso como o poderoso empresário argentino Alfredo Yabrán. Mas na urgência de pensar em pronunciar outras, o caseiro da fazenda do empresário assim explicava aos policiais que realizavam um batida na sede da 'Estancia San Ignacio' que seu patrão já havia suicidado-se e que não era necessário entrar atirando no quarto fechado à chave onde se escondia o empresário. A morte ocorreu no dia 20 de maio de 1998 às 13 :30, nessa fazenda a dez quilômetros de Concepción de Uruguai, na província de Entre Ríos.

FUGA - O empresário, amigo do então presidente Carlos Menem, era procurado pela Justiça desde a semana anterior, quando a ex-policial Silvia Belawsky confessou à Justiça que seu marido, o ex-policial e guarda-costas de Yabrán, Gustavo Prellezo, havia assassinado o fotógrafo José Luis Cabezas por ordem do empresário.

Cabezas, fotógrafo que havia sido o autor das primeiras fotos públicas do até então low profile Yabrán, foi assassinado em janeiro de 1997 em misteriosas e cruéis circunstâncias: com dois tiros na nuca, e queimado dentro de seu carro.

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Poucos dias antes, Yabrán havia dito que fazer uma foto sua era como "dar um tiro em minha na cabeça".

O empresário tornou-se o principal suspeito do crime, tese reforçada pelo fato de que guarda-costas seus haviam organizado o assassinato. A partir daí, Yabrán - que até a época havia conseguido manter sua imagem incógnita - começou a ser seguido pela mídia.

Ao sair de uma visita à Casa Rosada - o palácio presidencial - quando já não conseguia passar desapercebido, foi atacado pelos pedestres, que apedejaram seu carro.

A morte de Cabezas foi o motivo de centenas de manifestações contra o governo. O fotógrafo transformou-se no símbolo da luta contra a impunidade. Analistas afirmam que o escândalo provocado pelo assassinato de Cabezas foi uma das causas da derrota do governo Menem nas eleições parlamentares de outubro de 1997.

A notícia da morte de um dos empresários mais vinculados ao governo Menem foi um divisor de águas na política argentina. Com sua morte, a oposição, reunida na Aliança UCR-Frepaso, perdia o principal alvo das denúncias de corrupção envolvendo o entourage de Menem.

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Alfredo Yabrán caminha com sua esposa em 1997 em uma praia da província de Buenos Aires. Esta é a foto - realizada pelo fotógrafo José Luis Cabezas - que tornou conhecida a imagem do misterioso Yabrán para os argentinos.  Muitos argentinos consideram que não houve suicídio e que Yabrán continua fazendo suas caminhas em praias de remotos países.

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CHEFE DAS MÁFIAS - "Chefe das máfias no país", para o ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo. "O único que coloca medo no presidente Carlos Menem", segundo a ex-primeira-dama Zulema Yoma. "Narcotraficante", segundo suspeitas de deputados da oposição nos anos 90. "Assassino do jornalista fotográfico José Luis Cabezas", para a maioria da população argentina. Esta é a descrição do empresário Alfredo Naguib Yabrán, que deixava a vida para entrar na História argentina como o vilão da década.

Filho de imigrantes sírios, Yabrán nasceu na cidadezinha de Larroque na província de Entre Ríos, onde trabalhou como sorveteiro. Adolescente, partiu à Buenos Aires, onde começou trabalhando como motorista de uma transportadora de valores, para depois, durante a Ditadura Militar, e com a ajuda dela, transformar-se em dono de um vasto império empresarial, que controlava a impressão das carteiras de identidade, confecção de passaportes, empresas de segurança privada, táxis aéreos, armazéns de alfândegas e transporte de valores. Em quase todas as empresas Yabrán havia empregado ex-repressores da Ditadura.

Yabrán era íntimo do círculo dos principais assessores do presidente Carlos Menem. O empresário, nas poucas declarações à imprensa, definia a palavra "Poder" como "sinônimo de impunidade".

A fama de Yabrán cresceu quando tornou-se o principal suspeito de ser o mandante do assassinato do jornalista fotográfico José Luis Cabezas, que havia feito as primeiras fotos publicadas de Yabrán. A morte de Cabezas, em janeiro de 1997 indignou o país. Ao longo de um ano e meio milhares de passeatas em todo o país pediram o castigo de seus assassinos.

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MORTE - Quinze minutos depois de divulgada a notícia da morte, Martín Fabre, chefe da assessoria de imprensa da província de Entre Ríos, anunciava de forma prematura e categórica que havia sido um "suicídio".

O jornalista especializado em temas policiais, Enrique Sdrech, afirmou que era estranho que o corpo, encontrado boca abaixo no chão, pudesse ser considerado o de um suicida: "ele estava trancado no quarto. Como poderiam saber se estava sozinho?".

Às 16:00, um helicóptero transportou o corpo do empresário ao hospital Urquiza, o mais próximo para sua autópsia, e identificação oficial.

Mas as dúvidas sobre o estilo do falecimento de Yabrán pouco importaram nesse mesmo dia à tarde na capital argentina. Buenos Aires ouriçou-se com a notícia, que ao redor das 16:00 já era o tema de taxistas, donas de casa e todos aqueles que estivessem ouvindo detalhes da inesperada morte, responsável pela interrupção de todos os programas da TV. Os seis canais de notícias 24 horas deram cobertura ininterrupta sobre a morte do empresário.

Alfredo Yabrán controlava correios, impressão de passaportes e dos RGs, além de transporte de valores. E tinha excelentes relações com o governo do então presidente Menem, que havia repassado a Yabrán os contratos de impressão de documentos de identidade. O próprio empresário disse - antes de sua 'saída do cenário'  - que "poder é igual à impunidade".

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O DEDÃO DO PÉ E O TÊNIS - Nas horas seguintes à notícia sobre o suicídio de Yabrán começam a crescer as suspeitas sobre as estranhas circunstâncias da morte do empresário.

Segundo as versões oficiais do governo da província de Entre Ríos, Yabrán teria se suicidado com uma espingarda High Standard, calibre 16, de cano superposto. O empresário teria se suicidado com um tiro na boca, que poderia ter desfigurado seu rosto, além de destruir sua arcada dentária, elemento básico para sua identificação.

O jornalista Enrique Sdrech, o principal jornalista da área policial na época, sustentou que existiam circunstâncias estranhas nessa morte.

Sdrech ressaltava que as afirmações da polícia indicavam que Yabrán morreu com um par de tênis nos pés,  fato que teria complicado gatilhar o tiro da espingarda: "nestes casos, o suicida está descalço e aperta o gatilho com o dedão do pé, pois essa é a única forma de disparar uma espingarda na boca... o braço de uma pessoa não tem o comprimento suficiente para disparar o gatilho nessa posição. Precisa fazê-lo com o pé".

Sdrech disse que a existência do tênis é tão estranha "como o caso do suicida que dá um tiro do lado direito da cabeça e depois descobre-se que o cara era canhoto...".

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Antonio Llorente, jornalista que investigou a morte de Cabezas, e autor do livro "O Caso Cabezas", indicou na época que tinha suspeitas das circunstâncias da morte de Yabrán: "ninguém havia falado em identificação do corpo, mas logo em seguida já estavam afirmando que era suicídio".

Na mesma época, Norma Morandini, uma das mais respeitadas comentaristas políticas (atualmente senadora), concordava. E perguntava: "como um homem tão esperto como Yabrán vai se esconder em sua própria fazenda?".

Uma das versões que foram divulgadas desde o anúncio do suicídio é a de que Yabrán teria dado um tiro trancado dentro de um quarto da sede de sua fazenda.

Outra versão é a de que para suicidar-se teria utilizado a espingarda na frente do delegado que comandava a batida, fato que teria provocado o desfiguramento de seu rosto, tornando-o - aparentemente - inindentificável.

Segundo Lllorente, "metade do sul da província de Entre Ríos era constituída por fazendas de Yabrán. Além disso, o grupo Exxel havia pago US$ 600 milhões por diversas empresas de Yabrán. Não era exatamente um homem desesperado, por pior que fosse sua situação jurídica".

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Mas, se não era Yabrán quem estava deitado com o crânio esfacelado na fazenda em Entre Ríos? Coincidentemente, na mesma época os moradores da área notaram a ausência de um mendigo - famoso por ser parecido com Yabrán - que nunca mais apareceu. 

Durante uma série de entrevistas para canais de TV e estações de rádio entre as 7:10 e as 7:53 da manhã, o diretor de imigrações, Hugo Franco, deu quatro respostas diferentes à pergunta "Yabrán saiu da Argentina?".

Primeiro disse: "não acho que saiu".

Minutos depois, em nova entrevista, afirmou: "não teria saído".

Mais tarde, indicou: "não consta para mim que tenha saído".

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E finalmente disse: "não tenho informação".

Ambas famílias procedem da mesma região, as vizinhanças da cidade de Yabrud.

Na época pedi o número da prefeitura de Yabrud ao serviço de informação internacional da Telefónica Argentina. Mas, segundo a telefonista, "não está permitido a divulgação de números dessa cidade".

Em outra tentativa, horas depois, eu ouvi a evasiva resposta: "as telefonistas na Síria devem ter saído por alguns instantes".

Como elemento novelesco, poucos dias antes de seu suicídio (ou "suposto suicídio" para boa parte da opinião pública argentina, que considera que o empresário está vivo em algum lugar, vivendo com outra identidade), Yabrán deu de presente a seu amigo Carlos Galaor Mouriño o livro "O Sócio", do escritor de best-sellers policiais John Grisham, no qual um poderoso homem se faz de morto para fugir da Justiça. As semelhança entre o mafioso da obra, Patrick Lannigan, e Yabrán são impressionantes.

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DESCONFIANÇAS - As autoridades sustentaram que o exame oficial de ADN indicava que o corpo encontrado era o de Yabrán, bem como as impressões digitais. No entanto, os argentinos mais desconfiados sustentam que Yabrán tinha suficiente influência na Polícia para trocar as provas. De quebra, o exame de ADN foi feito por um primo do ministro do Interior, possível interessado em que o caso Yabrán concluísse o mais rápido possível.

Segundo sociólogos, a desconfiança argentina tem motivos de sobra, já que desde o início da década de 90 ocorreu uma longa seqüência de fatos nebulosos envolvendo a credibilidade da Justiça.

Um dos casos que geraram desconfianças foi a investigação sobre o atentado à Embaixada de Israel, ocorrido em 1992. A Corte Suprema sustentou durante anos que a explosão havia ocorrido dentro do edifício (dando a entender que havia explodido um arsenal interno) e que não havia sido realizada por um carro bomba, apesar da cratera que havia na rua Arroyo, na frente da Embaixada.

Além disso, ainda é nebulosa a morte de Carlos Menem Jr., o filho do presidente, morto em um acidente de helicóptero em 1995. As únicas seis testemunhas do acidente e dos momentos imediatamente posteriores morreram em peculiares circunstâncias nos meses seguintes à morte de Menem Jr. De quebra, tal como em um filme de suspense, as provas também desapareceram: somente resta 15% da fuselagem do helicóptero. O resto do material - que poderia comprovar se sua morte foi ou não um atentado - desapareceu misteriosamente.

Depois da morte de Cabezas e antes de seu suposto suicídio, Yabrán que quie deixar seu low profile e foi a um punhado de programas de TV para afirmar que não tinha nada a ver com o crime e alegar que era um mero empresário do setor de correios. "Sou um simples carteiro", disse o milonário sorrindo.

O suicídio de Horacio Estrada, o capitão com um touch contorcionista, aqui.

O suicídio de Marcelo Cattaneo: o enforcado de óculos escuros, aqui.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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