Foto do(a) blog

Os Hermanos

Tango, uma forma de caminhar pela vida

A herança afro no tango argentino fica evidente pela sensualidade dos passos desta forma de "caminhar pela vida"

PUBLICIDADE

Por arielpalacios
Atualização:

Um relatório elaborado por Cynthia Quiroga, psicóloga colombiana (o cantor Carlos Gardel morreu em 1935 na colombiana Medellín), integrante da Universidade de Frankfurt (Alemanha, terra onde foi inventado o bandonenón) afirma que o tango eleva o desejo sexual. A Universidade recomenda o tango para casais com problemas de baixa testosterona Sexo à parte, o tango - ritmo musical do rio da Prata (pois é praticado em ambas margens, a uruguaia e a argentina) - foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, no mês passado.

PUBLICIDADE

"...Dança-se entre um homem e uma mulher, mas sem cópula".(Salillas, 1898)

Para o escritor Jorge Luis Borges, o tango era "uma forma de caminhar pela vida". Para o poeta Enrique Santos Discépolo, "um pensamento triste que pode ser dançado". No exterior, o tango é a música emblemática que representa a Argentina, embora o mesmo gênero musical também seja símbolo do vizinho do outro lado do rio da Prata, o Uruguai. Os argentinos se ufanam da definição dada pelo filósofo americano Waldo Frank, que sustentou que o tango é "a dança popular mais profunda do mundo".

A palavra tango talvez seja a mais associada à Argentina em todo o planeta. A crise econômica de dezembro de 2001 foi chamada de "efeito tango" pela imprensa mundial. O caráter fatalista e pessimista que muitos argentinos exercem diariamente sobre a política, a economia e suas próprias vidas pessoais também é apontado como "um tango".

Mais do que triste, o tango é introvertido e introspectivo, ao contrário de outras danças populares que são extrovertidas e eufóricas. Para o escritor Ernesto Sábato, "somente um gringo pode fazer a palhaçada de aproveitar um tango para conversar e se divertir". Segundo o autor, "um napolitano dança a tarantela para se divertir. O portenho dança um tango para meditar sobre seu destino".

Publicidade

O tango é multifacético. Suas letras falam da mãe "santa", da turma de amigos, das ruas do bairro e da pérfida - e perdida - mulher que os abandonou. Mas além disso, o tango também fala do hedonismo e da aparência, das divisões sociais e dos picaretas. Ele também é frequentemente satírico, com letras que disparam ácidas farpas contra tudo e contra todos.

NASCIMENTO Na Argentina (no Uruguai a História é outra), mais do que 'argentino', o tango é portenho, já que o interior da Argentina seria melhor representado por outros ritmos, como o chamamé, o malambo e a zamba.

O bairro da Boca não foi o berço do tango, ao contrário do que indicam certas lendas, especialmente de guias turísticos estrangeiros.

O tango surgiu ao redor de 1877 no bairro de Montserrat, situado entre a Casa Rosada e o atual Congresso Nacional. Na época, ali residiam os descendentes dos escravos negros que haviam sido liberados em 1813. Em Montserrat, também chamado de "barrio del Mondongo", os afro-argentinos organizaram-se em associações beneficentes, que de noite - em barracos de sapé - preparavam festas para angariar fundos.

Nesses eventos, tocavam batucadas lânguidas, que para os escandalizados vizinhos brancos da área eram danças "luxurientas" e "indecentes" na coreografia.

Publicidade

As reuniões em Monserrat-Mondongo muitas vezes acabavam subitamente com a intervenção da polícia, que aparecia para "colocar ordem" no lugar.

PUBLICIDADE

Na época de carnaval as associações de afro-argentinos saíam às ruas para dançar ao som da batucada, denominada na região do rio da Prata como "candombe".

A rivalidade dos grupos - cada um queria mostrar que era melhor na coreografia - provocava confrontos sangrentos nas ruas. Por este motivo, depois de anos de incidentes, o governo ordenou a dissolução das associações.

Sem poder sair às ruas, os afro-portenhos organizaram lugares exclusivos de dança, os "tambos". Com esta palavra começa a polêmica sobre a origem do tango. Para alguns "tangólogos", "tango" viria de "tambo". Para outros, vem de "Xango", ou "Xangô", deus africano da guerra.

A própria palavra "tango", com essa grafia, apareceu em 1836 no "Diccionario Provincial de Voces Cubanas". O livro define "tango" como "a reunião de negros para dançar ao som de seus tambores ou atabaques". Outra teoria indica que "tango" vem de "tambor".

Publicidade

A polêmica e a discussão são elementos altamente cotados na mesa dos argentinos. Portanto, abundam versões sobre o assunto. Uma teoria indica que "tango" vem de "tang", palavra pertencente a um dialeto africano que poderia ser traduzida como "aproximar-se, tocar".

Curiosamente, outra versão sustenta que a palavra vem do latim "tangere", que também significa "tocar". No espanhol antigo, "tangir" equivale a tocar um instrumento.

Para complicar, no século XIX existia na Espanha um "tango andaluz". E no México, no século XVIII, uma dança com o mesmo nome. Nenhuma dessas teorias (há várias teorias adicionais sobre a origem da palavra) foi comprovada. Os argentinos continuam dançando este gênero sem se preocupar por sua etimologia.

Desta forma, os afro-portenhos tiveram que resignar-se a ficar dentro de seus "tambos", dançando o embrião daquilo que em poucas décadas seria o tango tal como o conhecemos hoje em dia.

A forma de dançar era - de certa forma - vagamente similar ao samba brasileiro atual: dança solta, eventualmente segurando o/a parceiro/a, além de muito requebro.

Publicidade

Mas, nesse momento em que essa forma prototípica do tango está em plena ebulição nos lugares de encontros dos afro-argentinos, ocorre uma guinada que seria fundamental para o desenvolvimento do tango: o surgimento do "compadrito" nos "tambos".

(Veremos o surgimento do compadrito no tango nos próximos dias e também a vida de Gabino Ezeiza)

TWITTER Embalado pelas novas tecnologias, estamos no Twitter! Quem quiser acompanhar as twittadas de vosso blogueiro é só buscar pelo nome de @arielpalacios no Twitter.

................................................................... Comentários racistas, chauvinistas, sexistas ou que coloquem a sociedade de um país como superior a de outro país, não serão publicados. Tampouco serão publicados ataques pessoais entre leitores nem ocuparemos espaço com observações ortográficas relativas aos comentários dos participantes. Além disso, não publicaremos palavras ou expressões de baixo calão (a não ser por questões etimológicas, como back ground antropológico).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.