A coreografia de Zhang Yimou teve um caráter marcial, de movimentos absolutamente sincronizados, no qual o coletivo predominava. Falava-se das invenções chinesas, mas não de seus inventores. O tempo histórico era o glorioso passado imperial, com uma narrativa praticamente desprovida de individualidade. Quase nada posterior ao século XVIII foi exaltado no gramado do Ninho de Pássaros, o estádio olímpico chinês. Sob o comando do cineasta Danny Boyle, a abertura de Londres começou onde a de Pequim acabou: com a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, que consolidou o poderio do Império Britânico, diante do qual o antigo Império do Meio sucumbiu nas duas Guerras do Ópio.
A cerimônia de abertura da Olimpíada de 2008 ignorou a humilhação histórica da China pelo Ocidente e teve a função de apresentar o país como a potência emergente do século XXI, candidata a maior rival dos Estados Unidos. A Inglaterra deixou há muito a posição de potência mundial e acaba de perder para o Brasil a posição de sexta maior economia do mundo. Mas a cerimônia de abertura da Olimpíada de Londres mostrou que os britânicos possuem algo ainda não conquistado pelos chineses: uma cultural popular universal, com músicos e escritores de influência global. O espetáculo também não teve censura moralista. A extravagante Amy Winehouse foi lembrada ao lado de Sex Pistols, David Bowie , New Order, Queen, Rolling Stones e The Beatles. A história da música pop foi costurada por um romance juvenil, que terminou com uma explosão de beijos apaixonados.
Com toda sua pujança econômica, a China ainda não conseguiu criar uma cultura contemporânea influente nem construir o soft power que os dirigentes comunistas tentam conquistar com Institutos Confúcios e expansão global da TV estatal CCTV. O espetáculo de Londres mostrou que soft power não é fruto da ação do Estado, mas resultado da ação de indivíduos com liberdade para criar sem controle da censura que ainda impera na China.