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Mundo em Desalinho

O macarthismo, segundo Donald Trump

Trumbo não é um filme espetacular, mas é apropriado para a onda de paranoia e intolerância na qual Donald Trump tenta submergir os Estados Unidos. O protagonista que dá nome ao filme é um dos milhares de comunistas e simpatizantes que entraram em listas negras e foram perseguidos durante os anos sombrios do macarthismo. Os inimigos da época eram os soviéticos e seus supostos aliados americanos, condenados sem julgamento a um ocaso indiscriminado que durou mais de uma década, a partir do fim dos anos 40. Sete décadas mais tarde, Trump surfa no temor ao Estado Islâmico gerado pelos ataques de Paris e San Bernardino e tenta transformá-lo em um pânico irracional diante de todo e qualquer muçulmano.

Por claudiatrevisan
Atualização:

Depois de propor a criação de um banco de dados dos seguidores da religião que vivem nos EUA, ele deu um passo além e defendeu que todos os islâmicos sejam proibidos de entrar no país. A medida ficaria em vigor até que se descobrisse a origem do suposto "ódio" que nutririam contra os Estados Unidos. Trump ignorou o fato de que um dos atiradores de San Bernardino nasceu em Illinois e era tão americano quanto ele. Também não se referiu ao ódio dos terroristas brancos de direita responsáveis por ataques que mataram 48 pessoas nos EUA neste ano, mais que as 45 que caíram vítimas do radicalismo islâmico.

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A mais recente proposta de Trump parece ter ultrapassado o limite da tolerância até dos mais radicais pré-candidatos que disputam com ele a nomeação do Partido Republicano na disputa pela Casa Branca. Mas ainda não está claro se será suficiente para desinflar sua liderança nas pesquisas. O número de eleitores que se dizem inclinadas a votar no bilionário cresce a cada declaração inflamada ou insulto que ele profere contra imigrantes ou mulheres.

O discurso de ódio contra os muçulmanos presta um inestimável serviço à máquina de propaganda do Estado Islâmico, que tenta justificar sua barbárie com uma narrativa medieval de um confronto apocalíptico entre fieis e infiéis -que seriam todos os que não seguem sua ideologia extrema, incluindo milhões de muçulmanos ao redor do mundo e nos EUA. Demonizá-los reforça a visão binária de mundo do Estado Islâmico e dá a seu recrutadores uma poderosa arma de sedução de jovens que se sentem alienados e discriminados.

O escritor Dalton Trumbo passou 11 meses na prisão em 1950-51 por ter se recusado a colaborar com o comitê do Congresso que investigava ações "não-americanas" sob o comando do senador Joseph McCarthy. Depois de cumprir a pena, Trumbo entrou na lista negra dos estúdios de Hollywood, que deixaram de contratá-lo para escrever roteiros de seus filmes. Antes de cair em desgraça, ele era um dos autores mais bem pagos da indústria cinematográfica americana. O veto a Trumbo durou uma década, durante a qual ele escreveu com pseudônimos ou com a ajuda de amigos que assumiam a autoria de seus roteiros. Dois deles foram premiados com o Oscar quando o escritor ainda estava banido: "A Princesa e o Plebeu", com Audrey Hepburn e Gregory Peck, e "The Brave One".

Trumbo foi "reabilitado" em 1960, quando o diretor de "Exodus", Otto Preminger, e o ator principal de "Spartacus", Kirk Douglas, decidiram colocar seu nome nos créditos dos filmes, enfrentando a resistência dos dirigentes dos estúdios. Também ajudou o fato de o presidente John Kennedy ter decidido assistir "Spartacus" apesar de piquetes mantidos nas portas dos cinemas por defensores do boicote a Trumbo. O escritor recebeu o Oscar por "The Brave One" em 1975, quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas o reconheceu oficialmente como autor do roteiro. O prêmio por "A Princesa e o Plebeu" foi entregue postumamente, em 1993.

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Depois de cair em descrédito, o "macarthismo" se transformou em um substantivo com dois significados pouco lisonjeiros: 1. "a prática de realizar acusações de deslealdade, especialmente de atividades pró-comunistas, sem apoio em provas em muitas instâncias ou com base em evidências leves, duvidosas ou irrelevantes" e 2. "a prática de fazer acusações injustas ou com uso de técnicas de investigação injustas, especialmente para restringir o dissenso ou a crítica política".

Com suas agressões e propostas que lhe valeram paralelos com Hitler, o bilionário republicano mereceria a atualização do substantivo para "trumpismo".

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