Cláudia TrevisanCORRESPONDENTE / WASHINGTON
Considerado uma "relíquia medieval" por alguns constitucionalistas e um "vestígio" do passado pelo presidente americano, Barack Obama, o colégio eleitoral dos EUA se reúne nesta segunda-feira, 19, sob pressão sem precedentes de parcela da sociedade para ignorar a tradição e rejeitar a escolha de Donald Trump como o 45.º presidente do país.
A probabilidade que o movimento seja bem-sucedido é próxima de zero, mas ele revela a crescente insatisfação com um modelo que nem sempre reflete a vontade popular. Trump será o sucessor de Obama apesar de ter perdido a eleição direta para a democrata Hillary Clinton por uma diferença de 2,8 milhões de votos.
A personalidade controvertida do republicano, o conflito de interesses de seus negócios e a suspeita de interferência da Rússia na eleição americana levaram ativistas em todo o país a bombardearem os 538 integrantes do colégio eleitoral com milhares de e-mails, telefonemas e cartas para que votem contra Trump. O ator Martin Sheen e outras celebridades gravaram vídeos nos quais sustentam que os fundadores dos EUA criaram o organismo para impedir que o comando do país caia nas mãos de "demagogos" e garantir que ele seja exercido por alguém qualificado para o cargo - requisitos que, para eles, não seriam atendidos por Trump.
Os integrantes do colégio eleitoral desempenharão um ritual que até agora era visto como uma mera formalidade: votar no candidato que ganhou a eleição em seus Estados e conquistou seus representantes no organismo. Nessa conta, o republicano lidera com 306 dos 538 votos, enquanto Hillary tem 232. Por enquanto, só um delegado republicano disse que vai ignorar o resultado de seu Estado e votar contra Trump por "razões de consciência". Para impedir a chegada do Republicano à Casa Branca, mais 36 "eleitores" teriam de seguir o mesmo caminho, possibilidade quase inexistente.
A aritmética do voto popular e da eleição indireta não coincidiram em duas das últimas cinco disputas presidenciais americanas, sempre em prejuízo de candidatos democratas. Em 2001, Al Gore teve 500 mil votos a mais que George W. Bush, mas não chegou à Casa Branca. A diferença de 2,8 milhões de votos deu a Hillary uma vantagem de 2,1 pontos percentuais sobre Trump, margem superior à obtida por três presidentes da história recente dos EUA: John Kennedy, Richard Nixon e Jimmy Carter.
A disparidade entre a eleição direta e indireta ocorre porque o colégio eleitoral dá peso desproporcional a Estados menos populosos do interior americano, em detrimento dos que concentram grandes populações urbanas nas duas costas, que representam o típico eleitorado democrata.
No mês passado, a senadora Barbara Boxer apresentou uma proposta de emenda constitucional para eliminar a eleição indireta. "O colégio eleitoral é um sistema ultrapassado e não democrático, que não reflete nossa sociedade moderna e precisa ser modificado imediatamente", justificou a democrata da Califórnia.
Mas é improvável que a proposta avance. Além da aprovação no Congresso, emendas constitucionais precisam ser ratificadas por dois terços dos Estados e os que se beneficiam do modelo tendem a votar contra sua eliminação.
Na tentativa de contornar a mudança constitucional, um grupo de Estados iniciou um movimento pelo qual se comprometem a dar o voto de todos os seus representantes no colégio eleitoral ao candidato que vencer a eleição popular nacionalmente. Por enquanto, o grupo tem adesão de 11 Estados com 165 representantes no organismo. A proposta de vincular os delegados ao voto popular entrará em vigor quando a iniciativa tiver a participação de Estados que tenham um total de 270 delegados, número mínimo necessário para a eleição indireta do presidente.
Em 2012, Trump disse em um post no Twitter que o colégio eleitoral era "um desastre" para a democracia americana. Depois da eleição, ele mudou de opinião: "O colégio eleitoral é na verdade genial na maneira pela qual coloca em jogo todos os Estados, até os menores."