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Reportagem Especial: Interior vota em Trump contra agenda liberal

Por Redação Internacional
Atualização:

Cláudia TrevisanEnviada Especial / Grand Rapíds, EUA 

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Religioso que vai à igreja todos os domingos, rejeita o direito ao aborto, mas defende o de portar armas, Tom Meiser vê a eleição de Donald Trump como uma reação do interior dos Estados Unidos a uma agenda liberal promovida pelas metrópoles do país, que teve sua mais recente vitória com a legalização do casamento gay pela Suprema Corte no ano passado.

Desde que nasceu, há 59 anos, Meiser mora em Allegan, uma cidade de 5 mil habitantes no oeste do Estado de Michigan, onde trabalha como paramédico em ambulâncias. O local é um retrato condensado dos eleitores de Trump: 92% de seus moradores são brancos e apenas 16% têm educação superior - a média nacional é de 29%. O local também integra a constelação de pequenas cidades americanas que a cada eleição está mais distante dos centros urbanos cosmopolitas, multiculturais e liberais do país.

Pierre Brazeau vive na zona rural de Michigan e votou em Trump. Foto: Cláudia Trevisan / ESTADAO

Em Grand Rapids, a 64 quilômetros de Allegan, as amigas Liz McElheny e Summer Danielski temem exatamente o oposto de Meiser. Para elas, a eleição de Trump representa uma ameaça não apenas a mudanças recentes, como o casamento gay, mas também a uma das mais simbólicas conquistas do movimento feminista americano, o direito ao aborto, reconhecido pela Suprema Corte no fim dos anos 70.

Na semana passada, Danielski estava entre as cerca de 2 mil pessoas que protestaram nas ruas da cidade contra a eleição de Trump, dentro do movimento que pipocou em vários locais do país com o slogan "Ele não é meu presidente". Com 190 mil habitantes, Grand Rapids é o maior centro urbano do oeste de Michigan e deu vitória a Hillary Clinton.

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Levantamento do instituto de pesquisa Edison Research mostrou que a democrata obteve 59% dos votos em cidades com mais de 50 mil habitantes, enquanto Trump prevaleceu nas que possuem população menor e na zona rural. Na cidade de Nova York, Hillary teve 79% dos votos. Em Los Angeles, 72%.

O contraste entre essas duas Américas se reflete em outras características: 54% dos eleitores que vão à igreja no mínimo uma vez ao mês optaram por Trump, enquanto 62% dos que nunca vão à igreja votaram em Hillary.

"Eu não tenho nada contra os homossexuais, mas tenho o direito de acreditar que é pecado e não ser condenado ao ostracismo por isso", opinou Meiser. O morador de Allegan disse que Trump está longe de ser um modelo para os conservadores cristãos do país, mas afirmou que ele é uma garantia de que os próximos juízes da Suprema Corte estarão mais alinhados com seus valores.

Um dos 4 mil moradores de Wayland, Pierre Brazeau votou no bilionário de Nova York por acreditar que Hillary tentaria impor limites ao porte de armas nos EUA. Como a maioria dos que vivem na zona rural, ele tem mais de uma arma e caçar faz parte de seu estilo de vida. Quando falou com o Estado, Brazeau havia acabado de matar um cervo, cujo corpo estava na carroceria de sua caminhonete. "Hillary queria limitar o número de tiros dos cartuchos de munição. Eu tenho armas com cartuchos de mais de dez tiros e não quero perder o direito de usá-las."

Previsto na Segunda Emenda, o direito de portar armas está sujeito a interpretações da Constituição pela Suprema Corte, instituição que define as principais batalhas culturais dos EUA. Trump terá a possibilidade de moldar a instituição por uma geração, com a indicação de dois a três de seus nove juízes durante seu mandato.

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Trabalhador de uma empresa de autopeças em Allegan, Tony Sneider vê os moradores das grandes cidades com uma lente de ressentimento. "Nós que vivemos na zona rural estamos acostumados a trabalhar. Nós não temos transporte público nem os outros benefícios que são dados aos que vivem nas cidades e frequentam universidades", afirmou Sneider, que vê os urbanoides como uma elite favorecida por recursos do governo.

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Especializado na programação de motores de alta velocidade, ele está há 23 anos no mesmo emprego. Apesar de não sentir que sua posição está ameaçada, Sneider concorda com a proposta de Trump de rever acordos comerciais internacionais. "Eu vi muitos empregos sendo transferidos para outros países em razão de tratados que não são benéficos para os americanos."

A linha dura do presidente eleito em relação à imigração conquistou os moradores do interior, apesar de muitos viverem em cidades quase totalmente brancas, como Wayland e Allegan. Alguns veem a crescente diversidade dos EUA como uma ameaça à própria identidade do país, em uma visão de implícita conotação racial.

Os brancos representam 63% da população americana, mas demógrafos estimam que eles serão minoria no país antes da metade do século. "Nós temos de tomar a América de volta", disse Sneider. Em sua opinião, os EUA deveriam aceitar imigrantes, desde que eles entrem no país de maneira legal, aprendam a língua, assimilem a cultura e não dependam de benefícios sociais. "Eles têm de ser tratados como todos nós."

O marceneiro Art Liebelt acredita que o presidente Barack Obama implementou um governo socialista nos EUA, o que estaria refletido no Obamacare - a reforma do sistema de saúde dos EUA - e em decretos que regulam atividades econômicas e imigração. "Eu gosto de um governo pequeno. Um governo que é grande o bastante para te dar tudo também é grande o bastante para te tirar tudo."

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Liebelt gosta do estilo politicamente incorreto de Trump e de sua determinação. "Eu fiquei exultante quando ele ganhou, porque ele é a epítome do sonho americano. Ele fez tudo da sua maneira e não desistiu, apesar de todas as probabilidades estarem contra ele."

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