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Trump, que prometeu ajudar operários pobres, terá gabinete mais rico da história

Para especialistas americanos, muitas das políticas que serão adotadas pelos futuros secretários estarão voltadas principalmente para os empresários e prejudicarão a base eleitoral do magnata: os trabalhadores esquecidos pela globalização

Por Redação Internacional
Atualização:

Cláudia TrevisanCORRESPONDENTE / WASHINGTON

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Donald Trump fez campanha contra as elites encasteladas em Wall Street e nas grandes corporações americanas, prometeu "drenar o pântano" de Washington e se apresentou como o campeão de trabalhadores esquecidos pela globalização. Mas seu gabinete é o mais rico da história dos EUA e promete reduzir impostos dos mais ricos, bem como acabar com regulações ambientais, trabalhistas e financeiras que restringem a atuação das empresas americanas.

A teoria é a mesma que deu impulso ao feroz ataque à atuação do Estado nos anos 80, sob inspiração de Ronald Reagan: livre de amarras e favorecidos com uma menor carga tributária, os que estão no topo da pirâmide de renda produzirão riqueza que eventualmente chegará aos que estão na base.

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Na prática, não há garantia de que os trabalhadores de baixa renda e pouca educação, que votaram em Trump, se beneficiarão das políticas que serão implementadas por seu gabinete, o mais conservador da história recente dos EUA.

"A realidade é que Trump não é um populista, não é alguém que seja simpático ao que o populismo significa, que é ajudar operários de classe média. O populismo era só retórica. Ele não criou um gabinete que ajudará os trabalhadores americanos", disse Julian Zelizer, professor da Universidade Princeton, especialista na história dos presidentes americanos.

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A maioria dos integrantes do governo de Trump é um reflexo dele próprio: homens brancos, ricos e com pouca ou nenhuma experiência na administração pública. A soma da fortuna dos milionários escolhidos pelo futuro presidente faz de seu gabinete o mais rico da história dos EUA. Segundo cálculo da Bloomberg, só o primeiro escalão controla US$ 6 bilhões. Se for incluído o segundo escalão, a cifra sobe para US$ 14 bilhões, valor que supera o orçamento do Departamento do Trabalho.

A agência que é responsável pela proteção dos direitos dos assalariados americanos será dirigida por Andrew Puzder. Dono de uma rede de fast-food, ele é contra o aumento do salário mínimo e defende a revogação da medida de Barack Obama que ampliou em quase 5 milhões o número de empregados que têm direito a receber horas extras.

Na avaliação de Puzder, o aumento de salários pode estimular a automação, fenômeno que contribuiu para a perda de empregos criticada por Trump durante a campanha. Em entrevista no início do ano, o futuro secretário do Trabalho fez uma avaliação mais positiva das máquinas do que dos trabalhadores. "Elas são sempre educadas, vendem bem, nunca tiram férias, nunca chegam tarde, nunca há casos de discriminação por idade, sexo ou raça."

Mas Goldman Sachs é o nome que representa o maior contraste entre a retórica de Trump e suas escolhas. Demonizado por Trump como o símbolo da influência de Wall Street na política americana, o banco foi o local em que dois de seus futuros assessores fizeram carreira.

O Conselho Nacional de Economia, que orienta a política econômica da Casa Branca, será dirigido por Gary Cohn, que entrou no Goldman Sachs em 1990 e era cotado para assumir o comando da instituição, que tem ativos de US$ 860 bilhões, cifra semelhante ao PIB da Holanda. Steven Mnuchin, futuro secretário do Tesouro, trabalhou 17 anos no Goldman Sachs e tem fortuna de US$ 46 milhões.

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"Trump falou em drenar o pântano, combater interesses especiais e contrariar Wall Street, mas está buscando exatamente essas pessoas para suas nomeações. Muitas das políticas que elas implementarão prejudicarão seus eleitores", disse o cientista político Robert Spitzer, professor da Universidade Estadual de Nova York.

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Andrew Rudalevige, da Faculdade Bowdoin, concorda. "As prováveis políticas do governo serão desenhadas para ajudar os ricos, na expectativa de que eles ajudarão os pobres. Tentamos isso nos anos 80, com resultados mistos".

O gabinete de Trump está determinado a acabar com o Obamacare, pelo qual 20 milhões de pessoas conseguiram seguro-saúde desde 2008. O candidato Trump prometeu que não mexeria no Medicaid e Medicare, que garantem assistência médica aos mais pobres e aos que têm mais de 65 anos. Mas uma das prioridades de Paul Ryan, líder do partido na Câmara, é privatizar o Medicare e reduzir o alcance do Medicaid.

"A grande dúvida é se os eleitores de Trump o responsabilizarão por políticas que os prejudicarão", observou David Cohen, professor da Universidade de Akron. "Ele parece ter enfeitiçado seus seguidores, que não conseguem ver quem ele é: uma pessoa rica e privilegiada, que nunca teve de se preocupar com dinheiro."

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