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Angela Merkel: o abacaxi com Burkini e a urgência em mostrar serviço

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Por Fátima Lacerda
Atualização:

Recém chegada de suas férias em solos austríacos, uma das primeiras declarações da chanceler alemã foi sobre o uso do Burkini, o biquini de corpo inteiro usados por mulheres adepta das de religião do Islã . "O Burkini é um impecílio para a integração", declarou a chefe da União Democrática Cristã, CDU (na sigla em alemão). O tema é o assunto principal nos meios de comunicação franceses e alemães. Usar Burkini na Costa Azul da França resulta em multa de 38 euros.

 

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Burkini em piscinas públicas

Nó último domingo (14) duas libanesas foram constrangidas e xingadas por usarem o biquini de corpo todo. O resultado, depois de olhares If looks could kill e constrangimento público na piscina em Bad Saarow, Brandenburgo, cidade vizinha, foi matéria no principal noticiário de TV de Berlim e uma queixa na polícia dada pela libanesa por ter sido ofendida: "Nós fomos xingados e indagados como ainda nos dias de hoje, alguém pode se vestir assim", declarou em entrevista à RBB, emissora de TV de Berlim. Mesmo depois que o salva-vidas da piscina pediu para a família, que vive há 23 anos em Berlim, para que "da próxima vez" usar outras vestimentas, os frequentadores de Bad Saarow não ficaram satisfeitos.

Enquanto em Berlim, o banho com Burkini é permitido, em Brandenburgo ainda não há uma linha definida sobre isso, o que, em esquinas menos tolerantes pode funcionar como um adubo para os populistas de direita e para os que não gostam e nem toleram o que é "diferente", percebendo em esquisita indumenta, um pretexto para destilar a intolerância, a xenofobia ou mesmo um complexo de inferioridade.

O grupo regional do CSU bávaro assim como toda diretoria do CDU de Merkel estão enlouquecidos na procura de uma solução que não seja regada de uma dicotomia cínica: de um lado, a política de boas-vindas, ousada por Merkel em agosto do ano passado (e o resultado dela nós sabemos qual foi), o ano eleitoral que está por vir e a clientela conservativa do centro-direita.

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Merkel está entre a corda e a caçamba. Tem mostrar serviço na forma de uma solução na qual ela possa manter a sua credibilidade. Por um lado, não negar a política de boas-vindas, por outro, não permitir que ainda mais ex-eleitores do CDU imigrem ou "emprestem" seu voto para o partido de direita populista que vende seu peixe afirmando ser uma "Alternativa para a Alemanha" (AfD, na sigla em alemão). De acordo com um prognóstico divulgado em 17/08 pelo Instituto FORSA, a AfD se mostra com 15% da intenção de votos. Sendo necessários somente 5% para compor a bancada no parlamento de Berlim, parece inevitável a estreia do partido no próximo período legislativo. Juntamente com a provável volta dos Neoliberais (FDP, na sigla em alemão) o clima político na tradicionalmente revolucionária e esquerdista Berlim estará árido. A não proibição do traje da Burkini pode ser um tiro que sairá pela culatra.

O fetiche dos alemães por leis, regulamentos e tudo que "vem lá de cima" se mostratão intenso que, enquanto não houver uma lei ou regulamento prescrevendo como lidar com o Burkini, episódios igualmente constrangedores e indignos como em Bad Saarow, continuarão acontecendo.

O exótico, o estrangeiro

Quem afirmar que em cidades como Colônia e Berlim não há sociedades paralelas, está ou sendo desonesto ou tampando o sol com a peneira. Em Köln-Deutz e em Berlim-Neukölln existem, sim, sociedades paralelas como a pregação de ódio e adubo para a radicalização dentro da religião do Islã.

Em Berlim Neukölln, poderosas famílias libanesas controlam bairros inteiros, estorquindo dinheiro de comerciantes locais e aplicando suas próprias leis.

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No bairro aristocrata de Charlottemburgo o terreno é da Máfia russa, a mesma que organiza com matemática precisão os assaltos a joalherias e também da KaDeWe, a loja de departamentos mais famosa de Berlim, da qual o sexto-andar, com grastonomia dos quatro cantos do mundo você deve, impreterivelmente, visitar quando estiver em solos berlinenses.

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A polícia e a justiça sabem da existência dessas familias que volta e meia são foco de notícias na TV por responderem processos de agressão, suborno, tráfico de mulheres, tráfico de drogas, sonegação de impostos, só para citar alguns.

O constrangimento e a irritação com o uso de Burkini em Brandenburgo combina muito bem com o solo movido pela rixa a "enxurrada de imigrantes" que "invadem a Alemanha". Muitos dos alemães es associam a imigração dos refugiados como se deu desde setembro de 2015 como um sentimento de perda da própria identidade. Um olhar mais atento, entretanto, revela que não é "só" um medo de uma "invasão", mas falta de uma clareza sobre a própria identidade e como lidar com suas virtudes e mazelas. Pode-se criticar a política de Merkel do jeito que for. O estrangeiro, o exótico e aquilo que é inusitado é independente de tudo isso, mesmo porque, quem vive em Berlim há muito tempo já nota a diferença no âmbito urbano muito mais do que todos os aos anteriores. Porém, quem sabe onde tem seus pés fincados, sabe que o resultado de um política de imigração errônea e para inglês ver, não representa uma ameaça e muito menos perda das características "tipicamente alemães", como de assistir o seriado de suspense "Tatort" nas noites de domingo, de deixar de festejar os feriados e muito menos abdicar do vasto ritual natalino, do dia de São Nicolau, do de S. Martin ou dos deliciosos rituais em volta do feriadão da Páscoa.

A cultura alemã só está ameaçada para quem realmente não sabe onde e como lidar com ela e isso vale para nascidos e chegados.

Que a Cultura de Boas-Vindas iniciada por Merkel lhe coloca frente ao maior desafio de sua carreira política, isso não há dúvidas. A chanceler terá que cortar uma dobrado para conceber a estratégia de campanha para as eleições de setembro de 2017.

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As eleições regionais em Berlim, em setembro próximo, podem ser o primeiro termômetro para a política de Merkel já que votações regionais sempre são um termômetro (na melhor das hipóteses, uma bússola) uma bússola para a ida ás urnas em âmbito nacional, especialmente porque Merkel, mais do que quaisquer convicções, foca na politica como um "empresariado de crises" com o intuito de se manter no poder e faze-lo de forma meticulosa e bem assessorada, instrumentos que faltaram na percepção da ex-presidente Dilma, que notoriamente dormiu no ponto.

No caso Merkel, não há alternativa. Desta mesma forma percebe  o "The Economist" que ainda foi mais longe, desejando "mais um período de governo" para a chanceler.

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