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De Beirute a Nova York

Análises em tempo real - A queda de Mubarak no Egito

Leia análises em tempo real sobre os acontecimentos no Egito. No Twitter @gugachacra

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Por gustavochacra
Atualização:

DE BIN LADEN A WAEL GHONIN - EM VEZ DE TERRORISTAS, AGORA OS ÁRABES LUTAM PELA DEMOCRACIA

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Depois do 11 de Setembro, a imagem dos árabes ficou equivocadamente atrelada ao terrorismo, à intolerância, ao atraso, a Osama Bin Laden. Depois da queda de Mubarak, a imagem dos árabes ficará atrelada à resistência pacífica, à democracia, ao uso das novas mídias e a Wael Ghonin, o menino do Google.

A Revolução dos Cedros no Líbano, em 2005, que conseguiu o fim da ocupação síria, exibiu as meninas de jeans e camiseta regata. Mas era Beirute, sempre considerada uma metrópole diferente, cosmopolita, uma Europa no Mediterrâneo oriental. Também diziam se tratar de cristãs, ainda que muitas daquelas manifestantes fossem sunitas e xiitas.

Desta vez, foi no Cairo, a capital e maior cidade do mundo árabe. Com mulheres de cabeça coberta implorando por democracia. Com homens de testa marcada pelas orações pedindo o fim da ditadura. Com jovens de classes baixas se misturando à elite de Zemalak e Maadi. Era os Jardim Europa unido ao Jardim Ângela do Egito unidos em busca de um ideal. Era a imagem de Ghonin chorando.

Em vez dos terroristas se matando contra a democracia em Nova York e Washington dez anos atrás, tivemos Mohamed Bouazizi, o tunisiano, que se imolou pelos seus ideais democratas incendiando não apenas a sua vila na Tunísia, mas até a gigantesca Cairo.

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OS CENÁRIOS DA ERA PÓS MUBARAK

O mundo árabe, ao longo das últimas décadas, teve três formas de governo - aS monarquiaS absolutistaS, as ditaduras republicanas e as democracias sectárias. Com o Egito, surge a oportunidade para uma quarta, que poderia ser uma democracia nos moldes ocidentais, uma democracia secular como a Turquia pós-ditadura ou um Estado islâmico sunita.

Primeiro, temos que eliminar as outras possibilidades. O Egito já foi uma monarquia absolutista. Mas Nasser a derrubou, instalando o regime que caiu hoje, apesar de diferenças ideológicas. A ditadura republicana virou passado nas ruas e dificilmente as Forças Armadas tenham o objetivo de instalar uma outra no lugar. As democracias sectárias podem existir apenas em países como o Líbano e o Iraque, onde diferentes religiões convivem no mesmo espaço.

Cerca de 90% da população egípcia é muçulmana sunita, e apenas 10% cristã copta. Um cenário completamente distinto de Beirute, onde cristãos, sunitas, xiitas e drusos não são maiorias individuais.

Sobram as três outras opções, inexistentes no mundo árabe. A dificuldade de uma democracia nos moldes ocidentais seria o de um regime hostil aos EUA ou Israel assumir o poder. Para impedir este cenário, os americanos e as Forças Armadas do Egito trabalham com a opção turca, que seria a outra alternativa.

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A Turquia também passou por uma ditadura e temia o radicalismo islâmico. A saída do Exército foi passar o poder para os civis, desde que mantivessem o secularismo. Também permaneceram com o controle da segurança e política externa. Isso começou a diminuir nos últimos anos. Os muçulmanos moderados do AKP, liderados por Abdullah Gul e Erdogan, abrandaram o "secularismo" de Mustafá Kemal Ataturk.

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O Estado Islâmico, maior temor de Israel e também da maioria da população egípcia (61%, segundo a Pew), jamais seria nos moldes iranianos. O Egito é árabe e sunita. O Irã é persa e xiita. E não existe uma figura carismática como o aiatolá Khomeini.A Irmandade Muçulmana tampouco pode ser comparada ao radicalismo da revolução islâmica do Irã. Trata-se de uma organização dividida em diversas correntes, como o Vaticano. Há esquerdistas e direitistas. Radicais e moderados. Alguns defendem a entrada na política, outros não.

Portanto, dos regimes possíveis, dois são os mais prováveis - democracia nos moldes ocidentais ou democracia secular. Não haverá Estado islâmico, ditadura republicana, democracia sectária ou monarquia absolutista.

AS PERGUNTAS DA ERA PÓS MUBARAK

Hosni Mubarak não é mais presidente do Egito. Ele estava no poder desde que Figueiredo governava o Brasil e Reagan os Estados Unidos. Depois de cerca de três semanas de protestos, a população egípcia conseguiu o impensável. O mais estável ditador do mundo árabe, aliado dos americanos, no poder há trinta anos, caiu. Com a queda, o Egito e o Oriente Médio entram em uma nova etapa.

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O Estado Maior das Forças Armadas assumiu o poder, segundo afirmou Omar Suleiman em seu discurso. Não está claro se ele próprio, que vinha liderando o diálogo com a oposição, está incluído. Esta junta militar deverá agora estabelecer os passos a serem seguidos.

-       Quando serão as eleições presidenciais?

-       O Parlamento será dissolvido?

-       Como será o papel do Exército se o Egito se redemocratizar?

-       A Irmandade Muçulmana poderá integrar o processo eleitoral ou apenas partidos seculares?

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-       Como fica o acordo de paz com Israel?

No resto do mundo árabe, também precisamos ver o que ocorrerá nos países vizinhos.

-       Sírios, argelinos, jordanianos, marroquinos, iemenitas e outros cidadãos de países árabes tentarão seguir o mesmo caminho de egípcios e tunisianos?

-       Os governos prosseguirão com as reformas, como já começaram Bashar al Assad, em Damasco, rei Abdullah, em Amã, e Ali Abdullah Saleh, em Sanaã?

-       Ou intensificarão a repressão contra opositores, como o Irã (que não é árabe) em 2009?

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-      Os protestos continuarão?

Para completar, temos as questões para Obama e o governo dos EUA

-       Irão apoiar a democratização imediata?

-       Como ficará a relação com outros regimes ditatoriais na região?

-       Como lidar com os temores israelenses de que um futuro regime hostil a Israel assuma o poder no Cairo?

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Mubarak viajou. Se foi para Sharm el Sheik, virou rainha da Inglaterra. Se foi para outro país, virou Ben Ali A rede de TV estatal do Egito diz que Mubarak viajou. O destino é incerto. Se foi para Sharm el Sheikh, será uma rainha da Inglaterra. Inclusive, ele passou a maior partes dos últimos anos no balneário do Sinai e muitos desconfiavam que ele estivesse lá nas últimas semanas. Mas, se foi para outro país, ele se transformará em um Ben Ali ou outros ditadores exilados pelo mundo.

Por que não há violência hoje? As previsões eram de que haveria violência hoje no Cairo. Mas os protestos estão calmos. Os manifestantes avaliaram que o objetivo de Mubarak era justamente aumentar a tensão, com aumento nos choques. Neste caso, o Exército precisaria agir para impedir o caos. Da forma como está, os protestos conquistam ainda mais apoio da opinião pública. Os manifestantes jogam com paciência através da tática de resistência civil.

O Egito e a hipocrisia iraniana A regime iraniano celebra os protestos no Cairo. O presidente Mahmoud Ahmadinejad diz que representam a decadência dos EUA e de Israel. Ao mesmo tempo, querem proibir manifestações da oposição em Teerã contra Mubarak e em apoio aos manifestantea egípcios. O líder do Irã sabe que, no fundo, seu regime representa exatamente a mesma coisa que o do Egito - censura e repressão. O Egito de 2011 é o Irã de 2009. Sua afirmação de que os protestos no Cairo são contra israelenses e americanos tampouco pode ser levada a sério. O mundo todo tem visto na TV que as demandas da população são domésticas.

População e regime disputam apoio dos militares, que estão divididos. Próximas 48-72 horas serão decisivas

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As Forças Armadas do Egito anunciaram horas atrás que apóiam a decisão de Hosni Mubarak de transferir os poderes para seu vice, Omar Suleiman, mas se mantendo nominalmente no cargo. Na avaliação de alguns militares, é preciso que o líder egípcio permaneça na Presidência, mesmo como quase uma rainha da Inglaterra, porque a capacidade de dissolver o Parlamento, realizar emendas constitucionais e demitir o gabinete continuaria nas suas mãos, segundo a Constituição.

Outros militares estariam insatisfeitos com a decisão da cúpula das Forças Armadas e não consideram mais Mubarak presidente do Egito. A força desta parcela do Exército não é pequena. O embaixador do Egito em Washington estaria seguindo esta linha, por exemplo, ao ligar para a CNN e para a BBC dizendo que, na prática, Mubarak não tem mais nenhum poder. Nem mesmo os três citados acima.

Portanto, um grupo de militares acha que as concessões de Mubarak foram suficientes e defendem um retorno à normalidade imediatamente. O estado de emergência seria levantado em breve e garantem que haverá eleições justas. Já uma outra parcela das Forças Armadas acreditam que Mubarak se tornou um estorvo e seria melhor que ele saísse definitivamente, adotando uma postura mais próxima dos manifestantes.

As próximas 48-72 horas, de acordo com a agência de risco político Eurasia, serão decisivas porque alguma das duas facções do Exército deverá prevalecer se a população mantiver a intensidade dos protestos. Se for o primeiro grupo, os militares terão de entrar em choque com os manifestantes para dispersar os protestos. Caso seja o segundo, Mubarak seria removido à força e mesmo Omar Suleiman correria riscos.

Comentários islamofóbicos, anti-semitas e anti-árabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados. Tampouco ataques entre leitores ou contra o blogueiro. Pessoas que insistirem em ataques pessoais não terão mais seus comentários publicados. Não é permitido postar vídeo. Todos os posts devem ter relação com algum dos temas acima. O blog está aberto a discussões educadas e com pontos de vista diferentes

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O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de "O Estado de S. Paulo" em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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