Ao se eleger premiê em 2003, Erdogan era um líder democrata no comando de seu partido conservador, o AKP. Conseguiu avanços, especialmente na área econômica. Aos poucos, porém, começou a perseguir adversários e a bater de frente com o secularismo dos kemalistas. Este processo se acentuou na repressão às manifestações de 2013. No ano seguinte, sem poder permanecer mais no cargo de primeiro-ministro, se candidatou e para a Presidência e venceu.
No ano passado, Erdogan intensificou a repressão depois de uma tentativa fracassada de golpe para derrubá-lo. Desta vez, no lugar dos kemalistas seculares, o líder turco passou a alvejar os gulenistas, que seguem Fetullah Gulen, um clérigo islâmico residente nos EUA. No processo, lembrando ditaduras da região, dezenas de milhares de jornalistas, professores, juízes, militares e policiais foram presos ou afastados.
A estratégia para se perpetuar no poder de Erdogan tem muita similaridade ao chavismo. Basicamente, o líder turco usa uma suposta legitimidade do voto para conquistar poderes. Na prática, porém, persegue a oposição, restringindo inclusive a campanha do "não" no referendo e censura a imprensa.
Ao contrário do que dizem alguns, a Turquia não se tornará uma ditadura religiosa islâmica. Longe disso. Erdogan é de fato religioso para padrãos turcos, mas seria um ultra liberal na Arábia Saudita. Seu governo será cada vez mais parecido com o de Putin na Rússia.
Uma pena, porque a Turquia, até muito pouco tempo atrás, era um exemplo de tolerância e democracia para nações islâmicas ao seu redor. Hoje não é mais.
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires