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De Beirute a Nova York

Manual para entender os recentes ataques Israel-Hezbollah

O Hezbollah lançou uma operação hoje contra forças militares israelenses nas Fazendas de Shebaa, matando dois militares e ferindo cinco. Israel, em seguida, lançou bombardeios contra o sul do Líbano. Um espanhol da Unifil, como são chamadas as Forças de Paz da ONU para o sul do Líbano, foi morto. Após algumas horas, a troca de fogo se encerrou.

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Por gustavochacra
Atualização:

Por que o Hezbollah lançou esta operação contra Israel?

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O grupo afirma ter sido uma resposta a um bombardeio de Israel contra um comboio da organização nas colinas do Golã neste mês. No ataque, membros do Hezbollah e um general iraniano foram mortos. Israel afirma que eles planejavam um ataque contra posições israelenses no Golã. O Hezbollah diz que eles atuavam na luta contra a Al Qaeda (Frente Nusrah) na área e acusa os israelenses de ajudarem a organização terrorista fundada por Bin Laden - Israel nega veementemente esta acusação.

Por que o Hezbollah disparou a partir do Líbano?

O grupo tem suas principais bases e mísseis no sul do território libanês. E o alvo foram as Fazendas de Shebaa, o que se encaixaria, na visão da organização, dentro de suas regras do jogo com Israel prevalentes desde 2006.

O que são estas regras do jogo?

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São regras nas quais Israel e o Hezbollah, embora inimigos, tentam manter uma trégua desde 2006. Alvos civis são inaceitáveis. Ataques contra o território israelense, também. O mesmo vale para sequestros. Todas as operações tanto de Israel como do Hezbollah são realizadas com a cautela para evitar uma escalada.

Mas a operação do Hezbollah hoje não foi contra o território israelense?

A operação ocorreu nas Fazendas de Shebaa e Ghajjar. Ambas foram anexadas ilegalmente por Israel, segundo a ONU e os EUA. Para as Nações Unidas, o território é sírio. Mas a Síria e o Líbano dizem ser libanês. Até o líder sírio Bashar al Assad, quando o entrevistei, disse ser parte do Líbano e não da Síria. Ele repetiu isso outras vezes em árabe e inglês. O certo é que não se trata de território israelense, embora seja ocupado ilegalmente pelo país. Israel talvez concordasse em desocupar a área em um amplo acordo de paz com a Síria e afirma que, segundo a ONU, não ocupa mais um centímetro do Líbano.

Israel pode prosseguir com as ações de retaliação à operação do Hezbollah?

Sim, mas não se sabe se será do interesse do país. Os discursos, tanto do premiê Benjamin Netanyahu como do chanceler Avigdor Lieberman, foram duros, incluindo a possibilidade de "ações desproporcionais" nas palavras do ministro das Relações Exteriores. As Forças Armadas de Israel, que são bem preparadas e sabem dos riscos, devem evitar exageros de seus políticos. Lieberman certamente não morreria, mas muitos jovens israelenses, sim. Neste momento, é melhor aguardar.

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 Como o resto do Líbano vê a ação do Hezbollah?

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A operação do Hezbollah foi duramente criticada por algumas lideranças políticas libanesas, como o druso Walid Jumblat e o cristão Samir Geagea. Facções sunitas, principais adversários do Hezbollah, que é xiita, também condenaram, dizendo que o país não pode ser envolvido em um conflito entre a organização e Israel. O Exército do Líbano não se manifestou, mas está alerta. O popular líder cristão Michel Aoun, aliado do Hezbollah, tampouco se pronunciou. O Líbano é um país dividido, com diferentes visões para a região. Alguns acham que o Hezbollah pode ter armas maioria dos xiitas e parte dos cristãos); outros, não (maioria dos sunitas e parte dos cristãos). Mas há duas unanimidades que cristãos, sunitas, drusos e xiitas concordam - Israel é um inimigo e ninguém quer guerra.

O que pode ocorrer se houver escalada?

Uma guerra mais sangrenta do que a de 2006 e mais sangrenta do que a de Gaza. Israel arrasaria o sul do Líbano e possivelmente outras partes do país, incluindo o Vale do Beqaa, onde vivem milhares de brasileiros-libaneses cristãos, sunitas e xiitas (nas cidades de Sultan Yakoub e Luce, o português é praticamente a primeira língua). Isso abriria espaço para inimigos do Hezbollah, como a Al Qaeda e o ISIS, também conhecido como Grupo Estado Islâmico e Daesh, penetrassem no Líbano. O risco de uma guerra civil libanesa aumentaria. O Hezbollah, desta vez, atacaria duramente Israel, matando centenas de pessoas, inclusive em Tel Aviv e Haifa.

Qual a visão de analistas?

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A Eurasia, principal consultoria de risco político dos EUA, acabou de publicar a seguinte análise, em inglês. Na visão da agência, que costuma acertar bastante em suas análises, não deve haver escalada e a tendência é de contenção entre os dois lados

Despite rising risks that Israel and Hizbullah will be trapped in a cycle of escalatory military responses, we expect this incident to remain contained. The attacks structured as a limited retaliatory response to 18 January the killing of Hizbullah and Iranian fighters on Syrian territory and a message from the resistance axis that the Golan Heights and southern Lebanon are effectively two open fronts for military operations against Israel. Hizbullah is still not interested in escalation that could divert its attention from the other priorities; containing jihadist rebels in Syria and defending the Assad regime. Meanwhile, Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu most likely realizes that a prolonged military engagement in Lebanon could cost him the election. Instead, Israel will pursue limited actions targeting Hizbullah in Lebanon, but the low scale tit-for-tat exchanges will not broaden into a wider war.

Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires

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