Segundo Erdogan, Gulen estaria por trás da tentativa de golpe para derrubá-lo. Gulen nega envolvimento e condenou a tentativa de golpe, embora também critique Erdogan. Os dois foram aliados até 2013. Erdogan e seu partido AKP, de viés religioso, dependeram dos gulenistas para chegar e se manterem no poder. Juntos, conseguiram, anos atrás, reduzir o papel das tradicionais elites seculares "kemalistas" do país - os kemalistas são os seguidores da ideologia de Mustafa Kemal Ataturk, que ocidentalizou a Turquia. O partido que os representa é o CHP, de centro-esquerda.
Erdogan seria, em economia e questões sociais, a direita na Turquia e seu partido, de viés religioso islâmico, chegou a ser no passado, antes de se radicalizar, o que os democratas-cristãos eram na Alemanha. Hoje não são mais, pois o AKP ficou intolerante e não respeita as liberdades democráticas.
Mas voltemos a Gulen e Erdogan. Os dois romperam quando Erdogan, ainda premiê, começou a reprimir com violência protestos em Istambul em 2013 - protestos que inspirariam gigantescas manifestações no Brasil. Naquele momento, Erdogan começou a reprimir com violência os gulenistas. Passou a a viver em uma paranoia de que os gulenistas estariam por trás de tudo contra o seu governo.
Não sabemos, honestamente, quem estaria por trás do golpe. Talvez tenha havido envolvimento de gulenistas. Talvez, não. Enquanto não houver prova, não podemos cravar. Caso, porém, Gulen tenha se envolvido no golpe, como diz Erdogan, os EUA teriam conhecimento. O clérigo vive recluso em sua casa na Pensilvânia. É óbvio que a NSA (National Security Agency) monitora todas as suas formas de comunicação. A NSA, como Snowden nos mostrou, tinha acesso aos e-mails de Dilma e da premiê da Alemanha Angela Merkel.
E, apenas para deixar claro, Gulen lidera o movimento Hizmat. Trata-se de uma organização que prega um islamismo sunita tolerante, contra o terrorismo, buscando um diálogo religioso e incentivando a educação de seus integrantes. Tenho amigos que são membros. Como exemplo, o Hizmat convidou líderes da comunidade judaica de São Paulo para iftar (desjejum do Ramadã). Há, por outro lado, acusações fortes, como mostra investigação de Dani Rodrick, um economista turco e professor de Harvard, de participação de gulenistas na criação dos escândalos de Ergenekon e Sledgehammer. O sogro de Rodrik, que era general, foi um dos afastados.
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires