Primeiro, para ficar claro, o Afeganistão não é uma nação árabe. É majoritariamente pashtum, com minorias tajique, uzbeque e hazara. Afinal, nem todo muçulmano é árabe e nem todo árabe é muçulmano. Aliás, a maior parte dos muçulmanos não é árabe e vive em países de outras etnias, como a Indonésia, Índia, China, Irã, Turquia, Paquistão, Bósnia, Cazaquistão, Rússia, Malásia e Afeganistão. E há muitos árabes cristãos, como vemos no Líbano, na Síria, no Egito, no Iraque e no Brasil - além, claro, de árabes ateus e judeus.
Em segundo lugar, a expressão maometana para designar muçulmana é antiquada. Era um termo mais comum no início do século passado. Os vestibulandos leem todos os dias no jornal e escutam na TV "muçulmana" para no dia da prova darem de cara com "maometana"?
Não custava nada ter arrumado o texto e escrito uma menina "afegã muçulmana". Ninguém tem obrigação de saber das informações que coloquei acima. Mas o ENEM não deveria usar uma expressão errada, ainda que esta tenha sido do autor ou do tradutor.
Abaixo, a citação (a pergunta, em si, é irrelevante para este meu texto)
"Quanto ao Choque de Civilizações, é bom lembrar a carta de uma menina americana de sete anos cujo pai era piloto na Guerra do Afeganistão: ela escreveu que - embora amasse muito o pai - estava pronta a deixá-lo morrer, a sacrificá-lo por seu país. Quando o presidente Bush citou suas palavras, elas foram entendidas como manifestação normal do patriotismo americano; vamos conduzir uma experiência mental simples e imaginar uma menina árabe maometana pateticamente lendo para as câmeras as mesmas palavras a respeito do pai que lutava pelo Talibã - não é necessário pensar muito sobre qual seria nossa reação."
ZIZEk, S. Bem Vindo ao Deserto do Real
São Paulo, Boitempo. 2003
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires
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