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De Beirute a Nova York

Por que os cristãos do Líbano precisam parar de brigar urgentemente?

O Líbano está sem presidente desde 25 de maio de 2014, quando terminou o mandato de Michel Suleiman. E por que os libaneses não tem presidente? Primeiro, temos de entender rapidamente como funciona a política libanesa.

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Por gustavochacra
Atualização:

Até 1990, quando terminou a Guerra Civil, o presidente era a figura política mais importante do Líbano. Por lei, sempre teve de ser cristão maronita, a maior denominação cristã do país. Os poderes eram similares aos que vemos hoje na França. O premiê, com menor importância, era muçulmano sunita.

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Com o encerramento do conflito, os cristãos maronitas mantiveram o cargo de presidente, mas com menos poderes. O premiê, ainda sunita, ganhou força, assim como o presidente do Parlamento, muçulmano xiita. O Parlamento, antes com 60% de cristãos e 40% de muçulmanos (sunitas, xiitas e alauítas) e drusos, passou ser dividido meio a meio.

Durante a ocupação síria do Líbano, o país teve presidentes aceitos pelo regime de Damasco. Mesmo Michel Suleiman, apesar de algumas desavenças, era tolerado pela Síria. Normalmente, os libaneses vinham buscando seu presidente no comandante dos Forças Armadas, também cristão maronita por lei.

O problema é que, hoje, o Líbano está politicamente polarizado. De um lado, fica a coalizão 14 de Março, controlada por sunitas e com o apoio de parte dos cristãos, especialmente os seguidores de Samir Geagea. Do outro, a 8 de Março, dos xiitas do Hezbollah e da Amal e o apoio de outra parte dos cristãos, especialmente os seguidores de Michel Aoun. No meio, os drusos de Walid Jumblatt.

O processo para a escolha do presidente no Líbano se dá no Parlamento, eleito democraticamente. Normalmente, o nome é de consenso. Desta vez, porém, Aoun e Geagea decidiram se candidatar. E ambos possuem personalidades fortíssimas e são adversários desde os tempos da Guerra Civil. Depois do conflito, Geagea ficou preso em um calabouço por crimes que teria cometido na Guerra Civil em grande parte durante os mandatos do premiê Rafik Hariri (sunita). Aoun, por sua oposição à Síria, ficou 15 anos no exílio.

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Quando houve a Revolução dos Cedros, em 2005, depois do atentado que matou Hariri, que havia rompido com a síria, Geagea foi libertado e se aliou a Saad Hariri, filho de Rafik. Aoun, por sua vez, voltou ao Líbano e se aliou aos seus algozes do Hezbollah e da Síria - o Líbano é o Líbano e esta troca de alianças não assusta ninguém.

Voltando aos dias de hoje, Jumblatt, o líder druso e mais hábil político do Oriente Médio, decidiu lançar um aliado cristão como candidato, na prática impedindo que algum dos dois ganhe até haver um consenso.Os sunitas da 14 de Março e os xiitas da 8 de Março, embora adversários, optaram por apoiar seus aliados - Geagea e Aoun, respectivamente. E lavam as mãos. Afinal, são os cristãos que não chegam a um acordo sobre quem seria o presidente de consenso e os dois líderes se recusam a recuar.

O problema é que o Líbano continua funcionando normalmente sem presidente. E isso é ruim para os cristãos. Afinal, a política do país parece ter condições de sobreviver sem este cargo. Mais grave, alguns já questionam a lei que favorece os cristãos maronitas com o cargo de presidente e os cristãos em geral com metade do Parlamento.

Esta divisão provavelmente não representa a população libanesa de hoje. Calcula-se que os cristãos sejam entre 30% e 40%. Os cristãos, porém, tem argumento de que, se levarmos em conta a Diáspora, possivelmente a população cristã ultrapasse os 50%.

De qualquer maneira, há um risco de a divisão parlamentar mudar para o esquema de divisão igual entre cristãos maronitas, muçulmanos sunitas e muçulmanos xiitas, além de cadeiras para as minorias cristãs (ortodoxa, melquita, assíria, armênia) e muçulmana (alauíta), além dos drusos.

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Os cristãos do Líbano precisam urgentemente se unir. Esta divisão apenas enfraquece o último bastião do cristianismo no mundo árabe. O Patriarca Cristão Maronita Bechara Rai tem de agir com mais firmeza, como seus antecessores. Geagea tem de entender que este ainda não é o seu momento. Pode tanto apoiar Aoun, que daria força aos cristãos do Líbano, como tentar chegar a um nome de consenso e forte, como o general Kahwagi, chefe das Forças Armadas.

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Não há mais tempo para perder. Já há quem diga que os cristãos do Líbano nunca mais terão um presidente. Acho exagerado. Mas a desunião dos cristãos aumenta esta probabilidade. A sorte dos cristãos é que os sunitas e xiitas, em conflito por toda a região, sabem que precisam dos cristãos no Líbano.

Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires

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