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Direto da Europa

"Como se diz Globalization em inglês?"

GENEBRA - Emails confidenciais da Sony, revelados pelo grupo Wikileaks, trazem vários segredos industriais do setor fonográfico. Mas num dos documentos que pude ler, o segredo que é revelado é outro: o do futuro da globalização. A troca de e-mails data de 25 de julho de 2014 e dois executivos da empresa discutiam o futuro do mercado, do setor e da música. Em cada uma das mensagens, o termo "Music strategy-confidential » aparecia com destaque.

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Por jamilchade
Atualização:

Num dos trechos, os executivos são claros : « a música está se transformando em um produto puramente digital ». « Uma empresa que apenas grave música digital será muito mais rentável », alertou. « A renda será menor. Mas as margens serão maiores. Sua renda será estável e crescerá com a expansão do mercado digital da música », indicou.

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Segundo a estratégia, essas empresas serão valorizadas como « companhias de publicação de música ou canais à cabo, não como gravadoras dos dias atuais ». O CD também está sepultado. « A distribuição física está acabando. Ela não precisa ser eliminada prematuramente. Mas precisa seguir o digital, e não comandá-lo », propõe a Sony. « O negócio digital precisa ser a prioridade ».

Mas é quando a Sony fala de quais músicas que devem ser gravadas, vendidas e promovidas que fica claro que a « internacionalização » pensada por essas multinacionais significa apenas uma coisa : a música em inglês. « Internacionalmente, a maioria do repertório local terá de provavelmente ser eliminado », declarou o estrategista da Sony. « As empresas vão querer se desfazer do repertório local ou criar um selo local e se focar globalmente no repertório na língua inglesa », apontou. Uma exceção é aberta e não tem qualquer consideração artística ou cultural. Mas sim econômica. «Um país que consiga ser rentável sobre seu repertório local (como no Japão) ».

O documento mostra que a ideia romântica e ingênua da globalização como algo que levaria a cultura de todos para todos os demais lugares é apenas um mito. As multinacionais querem lucros e, para isso, precisam apostar num produto que seja vendido em todo o planeta, seja um sanduiche, uma bebida ou uma canção. Nessa estratégia, a ideia de que a música seria a « língua universal » é absolutamente destruída.

Não concordo com o nacionalismo dos franceses que insistem em traduzir até a palavra "computador" e, quase que por decreto, exigir que sua população fala um inglês sofrível. Acho um erro a insistência dos espanhóis em traduzir até mesmo os musicais nos cinemas. Não concordo com a máxima de que filosofia só se faz em alemão e nem que só se pode ser romântico em italiano.

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Mas descobrir que uma multinacional da Cultura pretende deliberadamente esquecer de tantos outros sons do planeta escancara uma ameaça que sofremos diariamente : a de ler as mesmas coisas que todos, a de ver as mesmas fotos que todos, a de cantar as mesmas coisas que todos e, claro, a de pensar igual a todo mundo.

Em sinal de resistência e mesmo a partir da cosmopolita Genebra, optei por colocar a meus filhos todos os dias as músicas dos Saltimbancos do Chico, o Sítio do Pica Pau Amarelo do Gil, da Corujinha da Elís e a Bicicleta do Toquinho.

Depois de ler esses e-mails, também prometo aguardar com um entusiasmo ainda maior o próximo disco de Juliana Kehl. Mas, acima de tudo, a de não esquecer uma frase marcante de Desmond Tutu: "Não é incrível que sejamos todos feitos à imagem e semelhança de Deus e, ainda assim, exista tanta diversidade?"

 

 

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