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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Com atentado, Erdogan atrai apoio e reforça estratégia de poder

A onda de atentados do Estado Islâmico (EI) na Turquia, assim como os ataques efetuados pelos curdos, são, em parte, o trágico resultado da estratégia de permanência no poder do presidente Reccep Tayyip Erdogan, no governo desde 2003. E servem de reforço para essa estratégia, na medida em que atraem o apoio internacional e calam a oposição interna. No mesmo Aeroporto Ataturk, em Istambul, onde três suicidas abriram fogo e detonaram os explosivos no seu corpo, matando 41 pessoas, muitos militantes islâmicos desembarcaram vindo de várias partes do mundo árabe-muçulmano e seguiram para a Síria, rumo à sua "jihad", enquanto o governo turco fazia vista grossa, quando não os ajudava.

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Atualização:

Foi apenas em julho do ano passado, mediante as pressões dos Estados Unidos e da Europa, que a Turquia pôs fim a esse pacto silencioso para instalar na Síria um regime islâmico aliado, e passou a permitir que os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte usassem sua base de Incirlik para bombardear alvos do EI na Síria e no Iraque. A partir daí, o EI passou a atacar também na Turquia. Mesmo assim, as autoridades turcas relutaram em se voltar contra o grupo.

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No primeiro grande atentado, naquele mesmo mês de julho, o EI escolheu como alvo manifestantes favoráveis ao partido curdo HDP, na cidade curda de Suruc, matando 32 pessoas. Na época, o então primeiro-ministro Ahmet Davutoglu chegou a dizer que tanto o EI quanto a guerrilha do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) estavam envolvidos -- contra toda lógica, já que o PKK, muitas vezes acusado de ser o braço armado do HDP, não atacaria os curdos. Guerrilheiros curdos enfrentam o EI na Síria e no Iraque. A falta de apetite das autoridades turcas de investigar o atentado permitiu que um irmão de um dos suicidas de Suruc participasse do próximo grande atentado do EI, em outubro, que deixou 97 mortos em Ancara. Seguiu-se o ataque em janeiro perto da Mesquita Sultanahmet, em Istambul, que deixou 11 mortos, entre eles 8 turistas alemães. O ataque desta terça-feira ao aerporto de Istambul, o terceiro mais movimentado da Europa, segue a doutrina do EI de golpear o turismo, base da economia turca.

O PKK e sua dissidência, o grupo Falcões da Liberdade do Curdistão (TAK), por sua vez, voltaram a atacar as forças de segurança turcas depois do fracasso das negociações com o governo. Durante dois anos, Erdogan endossou essas negociações, com a esperança de obter o apoio do HDP para suas pretensões de concentrar poderes em suas mãos. O presidente abandonou o processo de paz quando o HDP anunciou, em março de 2015, que não apoiaria as mudanças constitucionais. Sem maioria suficiente no Parlamento depois das eleições de junho do ano passado, Erdogan convocou novas eleições para novembro. Nesse interim, foi beneficiado pelas ações violentas cotidianas do PKK e do TAK -- que no entanto só almejam alvos militares. Em dois ataques em setembro, foram mortos 16 soldados e 15 policiais, causando comoção no país e voltando a opinião pública contra o HDP. O partido, que antes tinha sido capaz de atrair o voto de não-curdos moderados, viu reduzido seu número de cadeiras de 80, em junho, para 59, em novembro. Ao mesmo tempo, o AKP, partido de Erdogan, aumentou sua bancada de 258 deputados para 317, obtendo a maioria absoluta necessária para as mudanças constitucionais rumo ao presidencialismo.

Erdogan também domina o Judiciário, com poder de substituir juízes e promotores, e tem confiscado os jornais e TVs que lhe eram críticos. Uma das leis que ele fez o Parlamento aprovar pune com prisão quem critica o presidente. Centenas de pessoas já foram presas com base nessa lei.

Nesta semana, antes do atentado, Erdogan dedicava-se a se reconciliar com desafetos na arena internacional. Na segunda-feira, enviou uma carta ao presidente russo, Vladimir Putin, expressando "profundas condolências" à família do piloto morto em novembro na derrubada de seu caça que, segundo a Força Aérea turca, havia invadido o espaço aéreo da Turquia, em missão de bombardeio contra os rebeldes sírios -- que Erdogan apoia, ou apoiava. O presidente turco disse a Putin que "fará tudo o que estiver a seu alcance" para retomar as boas relações que tinha antes com Rússia.

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No mesmo dia, a Turquia reatou as relações com Israel, rompidas em 2010, quando uma força-tarefa naval liderada por uma embarcação turca tentou furar o bloqueio à Faixa de Gaza para entregar ajuda humanitária aos palestinos. Fuzileiros israelenses invadiram o navio e mataram 11 cidadãos turcos. Os dois países agora voltarão a trocar embaixadores, e a Turquia poderá enviar ajuda humanitária para Gaza, desde que não viole as restrições impostas por Israel a material que possa ter uso militar pelo Hamas, grupo islâmico que governa o território.

O atentado de quarta-feira galvanizou a solidariedade do mundo para com o governo turco. Assim, Erdogan abandona os pretextos das ameaças externas e se concentra nos inimigos internos para justificar seu avanço rumo a um regime autoritário.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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