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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Hillary se mostra mais preparada que Trump no primeiro debate

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Em um dado momento do primeiro debate presidencial, na noite desta segunda-feira, Donald Trump questionou a saúde e energia de Hillary Clinton, dizendo que ela tinha "andado sumida" nos últimos dias, enquanto ele viajava pelo país encontrando-se com eleitores. "Sim, Donald, eu me preparei para este debate", respondeu ela, sorrindo.

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Os resultados foram perceptíveis. Hillary se mostrou preparada, autoconfiante e à vontade. Ela respondeu com traquilidade às questões mais difíceis. Admitiu com firmeza que foi um erro ter usado um provedor e uma conta pessoais de email para tratar de temas relacionados ao trabalho quando era secretária de Estado (2009-2013): "Cometi um erro e assumo a responsabilidade". Defendeu o acordo nuclear com o Irã, diante de Trump dizendo que tinha estado com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e que "ele não está feliz". Hillary lembrou que o acordo afastou o Irã das armas nucleares, das quais "chegou muito perto".

Principalmente, Hillary demonstrou esforço em falar de forma mais clara e concreta sobre temas econômicos. Prometeu criar mais 10 milhões de empregos investindo na infraestrutura, manufatura, energia limpa e pequenas empresas, e disse que o plano de Trump fecharia 3,5 milhões de vagas. Trump prometeu recuperar os empregos "roubados" fechando os EUA ao comércio com o México e a China, e também cortar os impostos de 35% para 15%-- duas medidas simples e atraentes para grande parte do eleitorado. Enquanto Trump tentou provar que a política econômica de Barack Obama é um desastre, Hillary lembrou que o presidente democrata tirou os EUA de uma crise, em 2008, provocada pelo republicano George W. Bush, e assegurou que, com as políticas de Trump, o país voltaria ao "abismo". Embora não tenha se comprometido em levar adiante a Parceria do Transpacífico, Hillary defendeu o livre comércio: "Somos 5% da população. Precisamos comercializar com os outros 95%".

Hillary procurou comparar-se com Trump naquilo que ele tem de mais atraente perante o seu eleitorado: a trajetória pessoal. Ela lembrou que seu pai era um trabalhador, enquanto que o pai de Trump lhe deu US$ 45 milhões (segundo ela, o que Trump não contestou) para que ele começasse sua vida de empresário, e argumentou que essa não é a realidade dos americanos comuns, e não é uma trajetória que possa ser replicada. Também levantou dúvidas sobre a solvência das empresas de Trump (como tem feito a imprensa americana), acusando-o de ter falido seis vezes, e questionou enfaticamente a recusa dele em mostrar o seu balanço financeiro. Zombou da promessa de Trump de divulgá-lo depois de terminada uma auditoria: "Você não vai divulgar antes da eleição, não é?" Trump garantiu repetidas vezes: "Estou muito sub-alavancado". Disse que teve US$ 694 milhões de lucros no ano passado e que seus ativos somam US$ 3,9 bilhões. Por fim, provocou: "Vou divulgar meu balanço quando era divulgar os 33 mil emails dela".

Hillary -- em parte com a ajuda das perguntas do âncora da NBC, Lester Holt, filiado ao Partido Republicano, e que Trump erroneamente acusou de ser democrata antes do debate -- foi capaz de manter o adversário na defensiva durante quase todo o debate. Disse ter conhecido muitos trabalhadores que levaram calote do empresário, que em resposta balbuciou que se não os pagou foi porque não fizeram o serviço.

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Trump tentou jogar a culpa nos assessores de Hillary pela falsa suspeita de que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, e ainda ficar com o mérito por ter obrigado o presidente a esclarecer a dúvida, apresentando sua certidão de nascimento. Mas acho que isso não colou muito.

De maneira geral, pelo menos para mim, ficou óbvia a superficialidade e até a infantilidade de Trump, quando comparadas com a atitude madura e séria de Hillary. Ele a interrompeu em quase todas as suas falas, enquanto ela se mostrou mais respeitosa e contida, apenas rindo. É possível, no entanto, que o que para mim e outros observadores pareceu ser uma óbvia superioridade intelectual, para os admiradores de Trump e os que não gostam de Hillary, foi uma atitude arrogante. E o que para mim denota a falta de substância de Trump para seus eleitores é uma linguagem direta, lógica e compreensível.

Debates não têm o poder de mudar votos, a menos que um dos candidatos cometa um erro grave, o que não aconteceu. Há um contingente grande de eleitores indecisos ou que rejeitam ambos os candidatos. Embora as pesquisas indiquem que Hillary venceu o debate (segundo a CNN, por 62% a 27%, reconhecendo no entanto que a maioria dos espectadores era democrata), o tempo dirá se esse e os próximos debates serão capazes de influenciar decisivamente a posição dos indecisos. Trump, que tentou se conter nessa segunda-feira, já avisou que será mais agressivo nos próximos.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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