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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Trump entrega de bandeja a Putin inteligência de aliado dos EUA

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O preço de se ter na Casa Branca um ambicioso empresário deslumbrado com o recém-adquirido acesso a informações confidenciais, lidando com um presidente russo que passou a vida toda trabalhando no serviço secreto de seu país, está ficando claro para um número maior de americanos. Em seu encontro com o chanceler e o embaixador russos, na quarta-feira 10, o presidente Donald Trump revelou detalhes que expõem um agente infiltrado de um país aliado numa cidade controlada pelo Estado Islâmico, segundo fontes do governo americano ouvidas pelo jornal The Washington Post.

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O tema é tão sensível nos Estados Unidos que o Post, um dos órgãos de imprensa mais prestigiados do país, que revelou por exemplo o escândalo Watergate que derrubou o presidente Richard Nixon em 1974, omitiu detalhes do episódio, como por exemplo a nacionalidade e a cidade onde o agente está, para evitar pôr em risco mais ainda a sua segurança. Ou seja, o Post é mais cauteloso que o presidente. Mas o jornal assegura que esses detalhes estão agora nas mãos do chanceler Sergei Lavrov e do embaixador Sergei Kislyak -- e, portanto, do presidente Vladimir Putin.

De acordo com as fontes ouvidas pelo jornal, Trump pareceu estar se vangloriando perante os russos de como tinha acesso a informações sensíveis sobre o EI: "Eu recebo ótima intel (informação de inteligência). Tenho gente me informando sobre ótima intel todo dia", teria dito o presidente, segundo um funcionário do governo. O presidente então entrou em detalhes sobre a capacidade de espionagem de um aliado importante dos EUA. Trump não revelou o método específico de aquisição da inteligência, mas descreveu em detalhe um plano do EI e o impacto que teria, segundo o Post.

A identificação do local onde a informação sobre o EI foi levantada é particularmente prejudicial, segundo funcionários americanos, porque os serviços de inteligência russos podem agora interceptar mais facilmente a atuação de um aliado dos EUA na esfera de inteligência -- e com isso neutralizá-la. Apesar do desejo expresso de Trump de criar uma parceria com a Rússia na luta contra o EI, os dois países têm objetivos estratégicos conflitantes na Síria, onde Putin apoia o ditador Bashar Assad, enquanto os EUA e seus aliados respaldam rebeldes árabes não-religiosos e guerrilheiros curdos que enfrentam tanto o regime quanto o grupo terrorista islâmico.

"Todo mundo sabe que esse canal é muito sensível, e a ideia de compartilhá-lo nesse nível de detalhe com os russos é perturbador", analisou um funcionário de contraterrorismo do governo anterior, que colaborou com a equipe de segurança nacional de Trump durante a transição. "É tudo um pouco chocante", disse um ex-funcionário próximo a membros do governo atual. "Trump parece ser muito descuidado e não percebe a gravidade das coisas com as quais lida, especialmente quando se trata de inteligência e segurança nacional. E tudo está nebuloso pelo problema que ele tem com a Rússia."

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O caso é agravado pela sequência dos acontecimentos. Na terça 9, véspera da reunião com os russos, Trump demitiu o diretor do FBI, James Comey. Foi apenas o segundo presidente a fazer: o primeiro foi justamente Nixon. Segundo fontes ouvidas pela Associated Press, dias antes da demissão, Comey havia solicitado ao vice-ministro da Justiça, Rod Rosenstein, mais recursos para aprofundar as investigações sobre a interferência russa na eleição presidencial e sobre as ligações entre membros da equipe de Trump e o Kremlin.

A assessoria de Trump afirma que ele foi convencido a demitir o diretor do FBI por um memorando de Rosenstein criticando o papel de Comey na investigação de sua adversária, Hillary Clinton. A candidata democrata foi acusada de colocar em risco a segurança do governo ao usar uma conta de email de um provedor privado para trocar mensagens sobre suas funções de secretária de Estado, que desempenhou entre 2009 e 2013.

Em um jantar com Comey no dia 27 de janeiro, uma semana depois de tomar posse, Trump teria cobrado dele "lealdade", segundo relatos de pessoas próximas ao ex-diretor do FBI. Comey teria respondido, segundo essas versões, que lhe podia oferecer "honestidade", não lealdade. Ao que o presidente lhe teria perguntado se seria uma "lealdade honesta", e Comey respondeu que sim, que isso podia dar.

Em entrevista à NBC, na quinta-feira 11, Trump admitiu que a decisão de demitir Comey estava relacionada com as investigações sobre suas relações com a Rússia: "Eu disse, sabe, essa coisa da Rússia com Trump é fabricada".

A presença do embaixador Kislyak na reunião com Trump no Salão Oval, que não constava da agenda oficial mas foi registrada por um fotógrafo russo, também chamou a atenção: por ter omitido conversas com ele, no período da transição de governo, o general Michael Flynn teve de pedir demissão da chefia do Conselho de Segurança Nacional. E o secretário da Justiça, Jeff Sessions, ao qual o FBI está subordinado, teve de se recusar a lidar com questões relacionadas às investigações sobre a Rússia, depois de ser revelado que ele também omitiu encontros com Kislyak em seu gabinete no Senado.

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As nuvens que envolvem as relações entre Trump e a Rússia são adensadas pelo fato de o presidente não ter até hoje divulgado sua declaração de imposto de renda -- quando isso é praxe entre os candidatos à presidência nos EUA, embora não obrigatório por lei. O escritório de advocacia que o representa afirmou que Trump recebeu US$ 95 milhões de um bilionário russo por um imóvel na Flórida, além de US$ 12 milhões pela realização de um concurso de miss universo em Moscou. Outros pagamentos provenientes de russos, pela estadia em seus hotéis e campos de golfe, não seriam identificáveis.

Ao lançar 59 mísseis Tomahawk contra a base síria de Shayrat, em abril, confrontando assim os interesses de Putin, Trump havia afastado momentaneamente -- ou tentado afastar -- as suspeitas sobre sua proximidade com o Kremlin. Os últimos acontecimentos voltam a colocar as relações com a Rússia como a principal sombra sobre sua credibilidade.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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