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Cidade da Albânia produziu fuzis AK-47 em segredo durante muitos anos

Fábrica foi saqueada durante revoltas de março de 1997 e mais de 750 mil fuzis foram parar nas mãos da população. Segredo com relação à produção dos armamentos permanece vivo até hoje

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Por Redação Internacional
Atualização:

GRAMSH, ALBÂNIA - A isolada cidade de Gramsh não só viu nascer o famoso comunista italiano Antonio Gramsci, mas também produziu por muitos anos a arma mais popular fabricada na Albânia, o fuzil automático AK-47, um segredo que ainda permanece vivo.

Construída em 1962 com a ajuda chinesa de Mao Tse-tung, a fábrica militar fica no povoado de Çekin, a três quilômetros de Gramsh, na região central do país, camuflada entre as montanhas cortadas pelo rio Devoll.

Construída em 1962 com a ajuda chinesa de Mao Tse-tung, a fábrica de fuzis AK-47fica no povoado de Çekin, a três quilômetros de Gramsh, na região central da Albânia Foto: Manu Brabo/AP

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A região parece um museu do comunismo, com monumentos que lembram os conflitos da Segunda Guerra Mundial e fotos do ex-ditador albanês Enver Hoxha em bares frequentados por aposentados e camponeses que ainda aram a terra com auxílio de cavalos.

As famílias dos operários que trabalhavam na produção das armas se estabeleceram em modestos prédios, similares a dormitórios, construídos ao mesmo tempo que a fábrica. "Eles eram escolhidos entre as famílias fiéis ao Partido Comunista", lembrou Tomor Balliu, de 72 anos.

Vigiada dia e noite por soldados armados, ninguém se atrevia a chegar perto da fábrica, considerada um segredo nacional. Para dificultar o acesso de curiosos, a estrada que levava ao local era deixada propositalmente em mau estado.

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Os únicos que sabiam da operação eram os comandantes e os 800 operários que produziam os fuzis, orgulho do antigo Exército Popular da Albânia. "Quando meus filhos me perguntavam a que a fábrica se dedicava, eu dizia que eles produziam ferramentas para agricultura", contou Sadete Pepa, que trabalhou no local durante sete anos.

Em seu primeiro dia de trabalho, assim como os demais operários, Sadete teve que jurar que levaria o segredo para o túmulo. O clima de medo imposto pelo regime para não contar o que eles faziam dentro da fábrica era tão forte que ainda se manifesta atualmente, apesar de o comunismo ter caído há 25 anos.

"O medo desaparecerá quando o sol deixar a Terra", disse um pensionista que se nega a conversar sobre o trabalho na fábrica. Falar sobre o segredo militar em público era considerado traição à pátria, crime punido com vários anos de prisão.

Equipar o Exército Popular com os melhores armamentos da época, desde os fuzis AK-47 até aviões de combate Mig e submarinos, fazia parte da estratégia de militarização da Albânia, que achava necessário se proteger contra um possível ataque imperialista, algo que nunca chegou a ocorrer.

Hoxha transformou a Albânia comunista em um país cheio de bunkers e todos os cidadãos em soldados.

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"Os kalashinkov produzidos aqui eram muito bons. Se trabalhava com precisão de milésimos de milímetros e, no final, para testar a qualidade da arma, se disparava em um local que havia no subsolo da fábrica", afirmou Qadri, especializado em calibrar as armas.

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A produção cresceu na década de 1980, quando a possibilidade de um ataque era maior pelo fato de a Albânia ser o único país europeu a fazer parte do bloco socialista. Homens e mulheres trabalhavam em três turnos para entregar entre 400 e 500 unidades por dia, ritmo que seguiu até 1991, quando a União Soviética se desmantelou.

Seis anos mais tarde, durante as revoltas populares de março de 1997, a fábrica foi saqueada, assim como vários armazéns militares de todo país. Mais de 750 mil fuzis AK-47 foram parar nas mãos da população, grande parte deles vendidos, inclusive para terroristas, para fora do país. "Em 1997, os kalashnikov eram vendidos pelas ruas de Gramsh ao lado dos alhos-porós e cebolas a preço de banana", disse Qadri.

Atualmente a fábrica está reduzida a um esqueleto de tijolos vermelhos. No pátio coberto de vegetação se encontram montanhas de caixas vazias de cartuchos que foram destruídos recentemente em uma das áreas que "sobreviveram" à fúria popular.

O local em ruínas alimenta a nostalgia dos idosos sobre os "gloriosos tempos passados" quando todos trabalhavam e incitou os jovens a abandonarem a cidade de 14 mil habitantes - metade do que na época do apogeu - já que agora não há mais futuro por lá. /EFE

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