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Espaço acadêmico: Obama e a 'síndrome de Carter'

Por Ricardo Chapola
Atualização:

Ao examinar os genes da diplomacia do presidente Barack Obama, o historiador Walter Russel Mead, do instituto Council on Foreign Relations, chegou a um diagnóstico surpreendente. A nova política externa dos EUA, diz Mead, sofre da "síndrome de Jimmy Carter". E o prognóstico preocupa: "Os impulsos antagônicos que influenciam o modo como esse jovem presidente pensa ameaçam despedaçar sua presidência - e, no pior dos cenários, transformá-lo em um novo Jimmy Carter."

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Como o presidente dos EUA entre 1977 e 1981, Obama tem uma personalidade dupla, constata Mead em um incendiário artigo publicado na revista Foreign Policy. De um lado, o líder é pragmático, busca reduzir custos da presença americana no mundo. Diz que deixará o Iraque em 2010 e o Afeganistão em 2011, quer negociar com o Irã, acalmar a Rússia, rever o apoio a Israel e ignorar a Venezuela. O objetivo: centrar esforços na política interna e erigir uma democracia que, pelo mérito e exemplo, lidere o mundo.

"Obama almeja, assim, uma vida mais calma, pois acredita que, sob George W. Bush, o poder americano estendeu-se para além de seus limites", resume Mead ao Estado. Mas há uma outra "persona" de Obama, idealista, que volta a atribuir aos EUA a missão de promover os direitos humanos e espalhar a democracia mundo afora. Sob pena de embaraçar laços com a China, o ocupante da Casa Branca recebeu o dalai-lama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, advertiu Pequim sobre liberdade na internet. Obama diz que o desenvolvimento da África "é prioridade" e, ao ser eleito, prometeu fechar a prisão de Guantánamo dentro de um ano. O prazo expirou há um mês.

"Essa esquizofrenia cria problemas. Obama, por exemplo, ignorou violações sistemáticas no Irã, mas inicialmente tomou uma atitude firme em relação a Honduras. Isso leva pessoas a concluir que, quando um país é fraco, você pode desafiá-lo. Mas, quando é forte, você o deixa em paz", afirma Mead. "É isso que acontecia com Carter." As respostas ao artigo do historiador vieram na semana passada do próprio Carter e de seu conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski. O ex-presidente irritou-se por ter sido qualificado de "fraco e indeciso" e contra-atacou: "Embora seja verdade que não entrei em guerras, não considero isso motivo para pedir desculpa." Brzezinski exaltou a "firmeza e decisão" do presidente a quem serviu, dizendo que, se Obama tiver êxitos semelhantes, aí sim terá a tal "síndrome de Carter".

Independentemente do bate-boca, há semelhanças factuais curiosas entre os dois presidentes. Carter e Obama, por exemplo, autorizaram a viagem de cubano-americanos e o envio de remessas a Cuba. Foi o sucessor de Carter, Ronald Reagan, quem reverteu as medidas.

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Eles também ocuparam a Casa Branca durante as duas maiores convulsões recentes no Irã. No governo Carter, o xá Reza Pahlevi foi derrubado. O episódio dos reféns americanos na embaixada de Teerã é tido como o grande motivo para Carter não ter sido reeleito. Com seis meses de governo, Obama viu os maiores protestos no Irã desde 1979 e agora se debruça sobre a questão nuclear.

Segundo Mead, as duas "personalidades" de Obama representam, na verdade, duas escolas da diplomacia americana em conflito. O presidente seria um discípulo tanto do pragmático Thomas Jefferson, terceiro presidente dos EUA (1801-1809), quanto do ideólogo Thomas Woodrow Wilson (1912-1921), que governou durante a 1ª Guerra.

"Obama é ao mesmo tempo um 'jeffersoniano' e um 'wilsoniano'", diz Mead. "'Jeffersonianos' acreditam que a diplomacia deveria se preocupar menos em espalhar a democracia pelo mundo e mais em protegê-la em casa. 'Wilsonianos' pensam que os EUA têm uma obrigação moral e um interesse nacional na promoção de seus valores."

Além dessas duas tradições, o historiador diz que há ainda discípulos de Alexander Hamilton (1755-1804), primeiro secretário do Tesouro dos EUA, e do comandante militar Andrew Jackson, sétimo presidente (1829-1837). "'Hamiltonianos' acreditam que uma aliança entre governo e empresas é a chave para a diplomacia. 'Jacksonianos' pensam que o objetivo central é a segurança física. São como a Fox News de hoje." Mead receita que o Obama "jeffersoniano" prevaleça sobre o "wilsoniano". Só assim seria possível garantir que "objetivos dos EUA sejam proporcionais a seus meios".

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