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VISÃO GLOBAL: O falso debate sobre um ataque ao Irã

Por redacaointer
Atualização:

Especialistas concordam que um bombardeio seria desastroso; qualquer um que diga ter certeza sobre intervenção militar é tolo

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NICHOLAS KRISTOFTHE NEW YORK TIMES

Me pergunto se nós, jornalistas, não estamos inadvertidamente transmitindo a impressão de que existe um debate genuíno entre os especialistas a respeito do quanto um ataque militar israelense contra o Irã faria sentido este ano. Tal debate não existe. Na verdade, o que temos é algo semelhante ao debate envolvendo a mudança climática - a grande maioria dos especialistas defende um mesmo ponto de vista. Eis o que alguns desses especialistas me disseram.

"Não conheço nenhum especialista em segurança que recomende um ataque militar contra o Irã a essa altura", destacou Anne-Marie Slaughter, professora da Universidade Princeton que trabalhou como importante funcionária do Departamento de Estado do governo Obama.

"Com a exceção daqueles que já mergulharam tanto nas tendências neoconservadoras a ponto de ficarem cegos para as realidades geopolíticas, é esmagador o consenso segundo o qual essa seria uma má ideia", disse W. Patrick Lang, ex-diretor de assuntos relacionados ao Oriente Médio para a Defense Intelligence Agency.

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"A maioria dos especialistas em segurança concorda que seria prematuro apelar para uma opção militar", disse Michèle Flournoy, que acaba de renunciar à terceira posição mais importante na hierarquia do Departamento de Defesa. "Estamos aplicando ao Irã um regime de sanções cada vez mais rigorosas. O país já se vê submetido às piores sanções enfrentadas até o momento, e agora estamos apertando o cerco ainda mais com sanções que afetam seu banco central, sanções que afetam seus produtos derivados do petróleo e assim por diante."

"Vemos que a situação é ruim para eles e as coisas logo vão piorar ainda mais", acrescentou ela. "O consenso geral diz que devemos esperar mais e dar tempo para que tais medidas façam efeito."

É claro que os representantes americanos estão profundamente alarmados diante do programa nuclear iraniano, por mais que esse medo não esteja necessariamente relacionado à possibilidade de o Irã usar armas nucleares contra Israel ou algum outro país. O Irã parece ter desenvolvido armas químicas para responder aos ataques iraquianos dessa natureza durante a guerra entre os dois países, demonstrando comedimento no seu uso. Em vez disso, o grande medo é o de o eventual teste e fabricação de armas nucleares por parte do Irã ser seguido por outros países. Entre eles poderiam incluir-se a Arábia Saudita, a Turquia e o Egito, dando início a uma nova rodada de proliferação nuclear. Representantes do governo e especialistas em segurança apresentam várias argumentações amplas para mostrar por que um ataque militar contra o Irã num futuro próximo seria uma ideia abominável.

Em primeiro lugar, isto retardaria o programa iraniano em apenas um a três anos - e podemos imaginar que depois disso o programa iria adiante envolto num sigilo ainda maior, gozando ainda de mais apoio doméstico do que nunca.

Em segundo, a operação não se resumiria a um único ataque, envolvendo repetidas ações num período de muitos dias com o objetivo de atacar muitos alvos diferentes. E o objetivo seria em parte assassinar os cientistas responsáveis pelo programa, o que implicaria em baixas civis. A cada dia da operação, a fúria dos muçulmanos de todo o mundo contra Israel - e contra os EUA - só aumentaria. A coalizão que pressiona o Irã por meio de sanções poderia ser desfeita.

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Em terceiro, o resultado poderia ser uma guerra regional no Oriente Médio, sugando os EUA para o conflito. O Irã poderia patrocinar ataques contra alvos americanos espalhados pelo mundo e poderia usar meios indiretos para intensificar os ataques contra os soldados americanos no Afeganistão.

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Em quarto lugar, o transporte do petróleo vindo o Oriente Médio poderia ser interrompido, provocando grandes aumentos no preço do gás e da gasolina que teriam um impacto catastrófico na economia global. Em quinto, as sanções e os métodos secretos como o vírus de computador Stuxnet já retardaram o progresso iraniano. Sanções mais rigorosas e operações de sabotagem vão continuar a provocar atrasos no programa sem acarretar grandes riscos.

É verdade que tudo aquilo que afirmo pode estar errado. O ataque israelense contra o reator de Osirak em 1981 e o ataque contra o projeto nuclear sírio em 2007 transcorreram sem grandes problemas e sem retaliação. Tais operações retardaram os programas nucleares dos países-alvo muito mais do que o esperado pelos céticos. Mas há bons motivos para crer que o Irã seja diferente, em parte porque o programa nuclear do país é muito bem protegido e suas instalações se encontram espalhadas.

De um ponto de vista mais amplo, a guerra é inerentemente imprevisível e Israel com frequência revela uma miopia assustadora em suas intervenções militares. Sua invasão do Líbano em 1982 se transformou num atoleiro que facilitou a emergência do Hezbollah, ao passo que seu apoio de facto ao Hamas em Gaza nos dias iniciais do movimento prejudicou a todos (com exceção do Irã).

Devemos também lembrar que, enquanto o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu toca seus tambores de guerra, isso pode conferir mais poder aos falcões iranianos. "A ameaça contínua de um ataque militar pode dissuadi-los tanto quanto pode encorajá-los a ir adiante", destaca Anne-Marie. A possibilidade de um ataque israelense ao Irã é uma das perguntas cruciais deste ano, e as pessoas informadas a respeito do assunto dizem que há 50% de chance de ocorrer. Ninguém sabe como a economia seria afetada, nem se uma guerra maior se seguiria a esse possível ataque. Qualquer um que se mostre confiante em relação ao que irá acontecer não passa de um tolo.

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Assim, enquanto se fala numa ação militar contra o Irã, devemos ter clareza quanto a um ponto. Com exceção dos assessores de Netanyahu e de um pequeno número de aves de rapina, praticamente todos os especialistas acreditam que um ataque militar a essa altura seria uma ideia catastrófica. Isto não é um debate, e sim um consenso. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É COLUNISTA E GANHADOR DO PULITZER

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