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A aliança entre EUA e Vietnã

Rivais que lutaram uma violenta guerra, nos anos 70, se aproximam para conter os interesses da China na região

Por Seth Mydans
Atualização:

Uma série de gestos cuidadosos contribuiu para reduzir as inimizades da Guerra do Vietnã, permitindo que americanos e vietnamitas construíssem uma base de crescente confiança e, em grande parte, fizessem com que as atenções dos dois países abandonassem os problemas do passado para se concentrarem nos do presente.A visita do secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, é a segunda da diplomacia americana ao Vietnã em quatro meses. A secretária de Estado, Hillary Clinton, esteve aqui em julho. Os encontros neste nível tornaram-se quase uma rotina."Gostaria de dizer que as relações se encontram no ponto mais alto dos últimos 15 anos", disse Nguyen Manh Hung, diretor do Instituto para a Indochina da Universidade George Mason, na Virginia. "Basicamente, retiramos os principais obstáculos constituídos pelas suspeitas nas relações militares e acredito que as coisas progredirão rapidamente."Gates deveria se encontrar com o general Phung Quang Thanh, ministro da Defesa do Vietnã, em uma reunião de ministros da Defesa dos dez membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) e de países associados.A principal preocupação de EUA e Vietnã é uma evolução das alianças ocorridas nos 35 anos desde o fim da guerra e passa pelas reivindicações chinesas no Mar do Sul da China. A questão não deixa de ter certo aspecto irônico. Washington, que durante a guerra tentou conter a expansão do comunismo chinês no Vietnã, hoje está alinhado com o Vietnã temendo uma escalada das reivindicações marítimas da China.Nas décadas de 60 e 70, a China era aliada do Vietnã do Norte na guerra contra os EUA. Hoje, tenta manter uma parceria com o Vietnã unificado, mas o relacionamento é difícil entre duas nações comunistas de dimensões tremendamente diferentes."O Vietnã está preocupado com os chineses na questão do Mar do Sul da China e os EUA estão preocupados com a interferência de Pequim na liberdade de navegação", disse Hung. "É por isso que os interesses estratégicos do Vietnã e dos EUA convergiram."Atritos. Na semana passada, o Vietnã exigiu a libertação de um barco de pesca e dos nove membros de sua tripulação, presos há um mês perto de um grupo de ilhas que estão sendo disputadas pelos dois países. A China anunciou que a tripulação deve pagar uma multa e o governo vietnamita afirmou que os pescadores foram maltratados.Em março, pelo menos um funcionário chinês de alto escalão intensificou o grau de reivindicação territorial de seu país, afirmando a dois importantes funcionários da Casa Branca, que estavam em visita a Pequim, que o Mar do Sul da China é de "interesse fundamental", o que colocou a reivindicação no mesmo plano de Taiwan e Tibete, seus interesses territoriais mais sensíveis.Em resposta, durante uma visita a Hanói, em julho, Hillary endureceu a posição de Washington, afirmando que os EUA têm a liberdade de navegação naquela área era de "interesse de segurança nacional".Procurando administrar suas relações com as duas principais potências, o Vietnã tratou de garantir à China, o gigante ao lado, que nenhuma aliança, bases militares ou coalizões militares de sua parte a ameaçariam.Embora o Vietnã tenha comemorado este ano os 15 anos de vínculos diplomáticos com os EUA, Hanói destacou uma relação diplomática muito mais antiga, de 60 anos, com a China.Aproximação. A melhoria das relações entre vietnamitas e americanos têm sido freada pelas suspeitas sobre os motivos e os compromissos dos EUA com a política do Vietnã.Hanói entende que, para Washington, as relações com o Vietnã sempre fizeram parte de interesses internacionais mais amplos, que poderão se modificar com eventuais mudanças desses interesses.Mais uma vez, como aconteceu durante a guerra, a posição dos EUA em relação ao Vietnã constitui uma das peças no tabuleiro de uma estratégia maior da China. No entanto, passo a passo, dois antigos inimigos de guerra, aproximaram-se consideravelmente. As relações comerciais foram normalizadas em 2006. A utilização dos portos vietnamitas por navios americanos tornou-se mais frequente a partir de 2003. "Há uma estratégia deliberada", afirmou Carlyle Thayer, especialista em política do Vietnã da Academia da Defesa da Austrália, da Universidade de New South Wales, em Sydney. "Nenhum lado quer ser usado pelo outro, mas ambos querem que as relações progridam."Hillary assumiu um tom otimista no mês passado. "O progresso entre Vietnã e EUA tem sido extraordinário." As autoridades vietnamitas mostram-se menos efusivas, mas, aparentemente, concordam."Vietnã e EUA desfrutam de um período de excelentes relações bilaterais", comentou, no mês passado, o embaixador vietnamita nos EUA, Le Cong Phung.As relações favoráveis continuam limitadas pelas preocupações americanas com as violações dos direitos humanos no Vietnã e pela suspeita de Hanói de que Washington esteja usando a questão para minar o governo comunista do país.Os vietnamitas usam frequentemente as expressões "evolução pacífica" e "revoluções coloridas", referindo-se a sua concepção de que o colapso da União Soviética e de outros governos comunistas da Europa foi provocado, pelo menos em parte, pelo apoio externo à democracia e aos direitos humanos.As preocupações envolvendo os direitos humanos renovam-se em uma espécie de círculo vicioso. O temor do Vietnã quanto aos motivos americanos leva à prisão de dissidentes que julga ligados ao Ocidente. Essas prisões, por sua vez, são um reflexo das preocupações de Washington com as violações dos direitos humanos no país."O alinhamento das duas nações na questão do Mar do Sul da China indica o s"urgimento de relações mais voltadas para fora", disse Kim Ninh, representante americano no Vietnã da Fundação Ásia, sediada na Califórnia.Desconfiança. Para os EUA, a principal questão referente ao passado continua sendo a lista exata de soldados dados como desaparecidos na guerra, embora essa preocupação não carregue o mesmo peso de antes.Para o Vietnã, o principal problema do pós-guerra é a exigência de uma maior assistência dos EUA no tratamento dos efeitos do agente laranja, o desfolhante químico lançado em várias partes do país que provocou inúmeras malformações em bebês. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAÉ CORRESPONDENTE DO "NEW YORK TIMES" NO SUDESTE ASIÁTICO

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