A nova normalidade

A Europa acaba de sofrer mais atentados terroristas sangrentos executados por jihadistas; não serão os últimos

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Por The Economist
Atualização:

As pessoas que circulavam pelas ruas de Bruxelas já temiam um novo atentado. Nem por isso, na terça-feira, quando o Estado Islâmico (EI) finalmente agiu – com ataques no aeroporto de Zaventem e, pouco mais de uma hora depois, no metrô da cidade –, o choque e a dor foram menores. Trinta e uma pessoas morreram e cerca de 300 ficaram feridas, algumas em estado crítico. O primeiro-ministro da Bélgica, Charles Michel, qualificou os atentados como “cegos, violentos e covardes”.

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Nos próximos dias, a Europa passará mais uma vez pelas várias fases do luto que sucedem ações terroristas: o desespero com a perda de vidas inocentes, a raiva dos jovens que matam em nome da jihad, as dúvidas em relação à eficiência da polícia e dos serviços de inteligência e, por fim, à medida que os atentados forem deixando as manchetes e as primeiras páginas dos jornais, uma resignação amarga.

No entanto, mesmo quando todos ainda estavam sob os primeiros efeitos do choque, duas lições já eram claras. Uma era a de que, apesar de estar há alguns anos na mira das potências ocidentais, o EI ainda consegue reunir recursos para realizar atentados sincronizados no coração da Europa. A outra, decorrente da primeira, é a de que as grandes cidades europeias e americanas terão de se habituar a uma prolongada campanha terrorista, em que todas são alvos em potencial.

Ajuda dos intolerantes. A capacidade de resistência do EI é motivo de alarme – e com razão. Os atentados ocorreram dias depois de a polícia ter prendido Salah Abdeslam, suspeito de ter participado dos atentados em Paris no ano passado, que deixaram um saldo de 130 mortos. Durante quatro meses, Abdeslam encontrou abrigo entre amigos e vizinhos, a algumas ruas de distância apenas de sua antiga casa, no bairro de Molenbeek, na periferia da capital belga. Inegavelmente, há pessoas que apoiam os métodos do jovem terrorista, mesmo que ainda não estejam dispostas a manchar as próprias mãos com o sangue de seus compatriotas.

Além de contar com algum apoio, o EI é capaz de mobilizar expertise e recrutas. Até a quarta-feira, sabia-se que havia 18 jihadistas presos em seis países europeus, suspeitos de terem tido alguma participação nos atentados de Paris. Mesmo assim, o EI conseguiu reunir número suficiente de extremistas para realizar uma operação complexa e coordenada bem debaixo dos narizes das autoridades belgas – e é bem possível que a ação nem tenha exigido muito tempo de preparação. Na França, a polícia concluiu que os terroristas do EI aprenderam a fabricar bombas com substâncias químicas usadas no cotidiano, como tintura para cabelo e acetona, mas as autoridades ainda não encontraram nenhum dos indivíduos envolvidos nessa atividade e enfrentam dificuldades para monitorar as comunicações dos jihadistas.

Nada indica que a ameaça vá diminuir. Novos jihadistas serão recrutados localmente. Nos últimos anos, milhares de homens e mulheres deixaram a Europa rumo à região que o EI chama de califado, entre a Síria e o Iraque. A Líbia é um caldeirão em ebulição. A Al-Qaeda e o EI competem entre si para encabeçar a campanha jihadista mundial.

O que as autoridades devem fazer para enfrentar a situação? O primeiro passo é ter consciência de que o objetivo dos terroristas é provocar reações desproporcionais. Seu dia está ganho quando um político como Donald Trump promete impedir os muçulmanos de entrar nos EUA, quando líderes do Leste Europeu dizem que só aceitarão imigrantes sírios se forem cristãos ou quando a francesa Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, associa os muçulmanos que fazem suas orações nas ruas com a ocupação nazista.   Esse tipo de intolerância ajuda a transformar sujeitos insatisfeitos em simpatizantes e radicais em homens-bomba. Da mesma forma, o EI solta rojões quando os países do Ocidente passam semanas lamentando as dezenas de vítimas dos atentados em suas cidades, mas não dão tanta atenção às centenas de muçulmanos mortos em ações terroristas realizadas em Beirute e na Turquia, ou aos milhões que apodrecem nos campos de refugiados e na guerra civil síria. É importante provocar divisões entre os extremistas, não empurrar as massas para os seus braços.

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Outra prioridade – que contribui em alguma medida para evitar reações desproporcionais – é assegurar ao cidadão comum que as autoridades estão trabalhando para protegê-lo. Para alguns políticos, o medo que as pessoas têm de morrer num atentado terrorista é irracional. Em entrevista concedida recentemente à revista The Atlantic, o presidente americano, Barack Obama, contou que costuma lembrar a seus assessores que o número de americanos que morrem em atentados terroristas é muito menor do que os que perdem a vida ao sofrer uma queda no banho. 

Acontece que há uma grande diferença entre o terrorismo e as mortes por acidente, ou mesmo por atos de violência indiscriminada. Se as pessoas reagem tão intensamente ao terrorismo é porque sentem que as autoridades não estão cumprindo seu dever básico de mantê-las a salvo desse tipo de inimigo. O medo que o terrorismo provoca não é mera ilusão estatística. É também fruto da percepção de que há pessoas que não conhecem limites que estão conspirando contra o Estado.

Instadas a oferecer proteção às pessoas, sem descambar para as reações exageradas, as autoridades parecem atarantadas. A França, que foi alvo de dois atentados sangrentos, ainda está sob estado de emergência, o que permite à polícia realizar buscas sem autorização judicial e manter suspeitos em prisão domiciliar. O presidente, François Hollande, e seu primeiro-ministro, Manuel Valls, continuam a dizer com alguma frequência que o país está em guerra. As palavras fortes e a suspensão temporária de direitos eram compreensíveis logo após os atentados de novembro. Agora, talvez, já sejam contraproducentes.

Grãos de areia. A melhor forma de proteção seria a paz no Oriente Médio – coisa que, infelizmente, continua sendo um sonho distante. A coalizão fez avanços contra o EI em seu califado, que vem perdendo território e pessoas. Mas, para derrotar o grupo extremista, são necessários soldados iraquianos, ainda não treinados, e uma intervenção com tropas na Síria, coisa que não está no horizonte. Enquanto isso não acontece, o EI continuará em condições de comandar e inspirar terroristas. Além disso, o Ocidente tem de lidar com jihadistas que se radicalizam por conta própria.

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A polícia e os serviços de inteligência europeus, portanto, precisam operar internamente em todas as esferas, da vigilância à “desradicalização”. Um aspecto que pode ser rapidamente corrigido é a falta de investimentos. Sistemas de tecnologia de informação antiquados dificultam a colaboração. Os serviços de segurança também precisam encontrar meios de penetrar as redes dos jihadistas e dos indivíduos que os apoiam, infiltrando agentes e usando sinais mais potentes de inteligência. A cooperação entre as diversas agências melhorou, mas as regras de proteção à privacidade ainda dificultam o compartilhamento de dados. 

Os jihadistas cruzam fronteiras com mais facilidade que os serviços de segurança. Melhorar o policiamento e as condições das prisões também ajudaria a impedir que pequenos criminosos fossem radicalizados. É preciso acabar com o isolamento econômico e cultural de bairros como o de Molenbeek. A tarefa é demorada e árdua – e na maior parte do tempo passa despercebida, a não ser quando falha.

Muitos receiam a luta que há pela frente e deploram o infindável dilema entre segurança e liberdade. Mas, enquanto os jihadistas continuarem a ameaçar o Ocidente, não há como se esquivar da necessidade de agir. Bem-vindos à nova normalidade. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

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