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É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|A ofensiva de Putin

Interferência russa na eleição foi o ‘Pearl Harbor’ digital temido por ex-chefe da Defesa dos EUA

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Foto do author Moisés Naim
Atualização:

Na minha coluna de 6 de março do ano passado, escrevi: “Se, em 2000, a Suprema Corte foi a instituição que na prática determinou quem seria o presidente dos EUA, neste ano o grande eleitor poderá ser o diretor do FBI, James Comey.” Errei. O grande eleitor de novembro não foi o chefe do FBI. Foi Vladimir Putin.

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Como se sabe, o FBI estava investigando se Hillary Clinton havia cometido um crime ao utilizar seu sistema privado de correio eletrônico para enviar mensagens confidenciais. O diretor do FBI disse também: “... acompanho muito atentamente essa investigação e quero garantir que possa contar com todos os recursos de que necessita, tanto de pessoal quanto tecnológicos.”

O diretor de Inteligência Nacional dos EUA acaba de divulgar um informe elaborado pela CIA, pelo FBI e pela Agência de Segurança Nacional. Seu título é Avaliando as Atividades e Intenções da Rússia nas Recentes Eleições dos EUA. Está na internet e sugiro sua leitura.

A seguir, algumas de suas alarmantes conclusões. “Em 2016, Vladimir Putin ordenou uma campanha visando influir na eleição presidencial dos EUA. Seus objetivos eram abalar a confiança da sociedade no processo democrático, difamar Hillary Clinton e prejudicar sua possibilidade de candidatar-se e sua possível presidência. Concluímos que Putin e seu governo russo passaram a mostrar uma clara preferência por Donald Trump. Confiamos totalmente nessas avaliações.”

“A campanha de influência de Moscou seguiu uma estratégia que combina operações secretas de inteligência - como atividades cibernéticas - com a utilização de iniciativas abertas das agências governamentais russas, meios financiados pelo Estado, terceiras partes e intermediários, bem como ativistas de mídia social pagos.”

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“Avaliamos com total confiança que o GRU (inteligência militar russa) transmitiu ao WikiLeaks o material que obteve do DNC (Comitê Nacional do Partido Democrata, em inglês) e de altos funcionários democratas”.

“A Rússia também colheu informações sobre alguns alvos filiados aos republicanos, mas não levou a cabo uma campanha de divulgação comparável.”

Em 2012, Leon Panetta, o então secretário da Defesa dos EUA, alertou que seu país corria o risco de ser vítima de um “Pearl Harbor cibernético”. Assim como o Japão causou estragos quando, em 1941, atacou de surpresa a base naval dos EUA, os atuais agressores podem fazer algo parecido utilizando a internet. Segundo Panetta, numa versão contemporânea um ataque cibernético por parte de um agressor estrangeiro poderia inutilizar a rede elétrica do país, bloquear o sistema de transportes, provocar o colapso do sistema financeiro, paralisar o governo e, desse modo, causar danos ainda maiores do que os de Pearl Harbor.

Embora esse tipo de ataque cibernético maciço e simultâneo que preocupava Panetta ainda não tenha acontecido, os EUA vêm sendo cada vez mais o alvo de ataques cibernéticos parciais com graves consequências. Organismos governamentais, assim como todo tipo de empresas privadas, têm sido vítimas desses ataques. Mas o mais recente, realizado pela Rússia, é diferente. Seu propósito não foi prejudicar máquinas, armamentos e edifícios, mas as instituições democráticas. O informe publicado pelas agências de inteligência mostra claramente que os EUA foram vítimas de um “Pearl Harbor cibernético” político. O ataque foi uma tentativa de interferir no resultado das eleições em favor dos interesses de uma potência rival, a Rússia.

Além disso, o relatório nota que seguramente Putin continuará utilizando essa estratégia em outros lugares. “Concluímos que Moscou aplicará as lições aprendidas na campanha dirigida por Putin contra as eleições presidenciais dos EUA em todo o mundo, inclusive contra aliados americanos e seus processos eleitorais.”

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Em 2017, Alemanha, França e Holanda realizarão eleições cujos resultados podem modificar drasticamente a União Europeia (UE). Putin nunca ocultou seu desdém pelo projeto de integração europeia ou por sua aliança militar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Donald Trump tampouco. E em todas as eleições europeias tornou-se comum a participação de candidatos que defendem a saída de seu país da UE e criticam a Otan. Eliminar as severas sanções econômicas que a Europa e os EUA impusera à Rússia como retaliação pela invasão da Crimeia é uma prioridade para Putin. Até agora, ele não conseguiu. Veremos se, graças ao ataque cibernético e à eleição de candidatos propensos a eliminar as sanções, conseguirá. Esses candidatos seguramente terão furtivos apoios que nos lembrarão das táticas expostas pelo informe das agências de inteligência da UE.

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O paradoxo em tudo isso é que, ainda que os EUA sejam os líderes mundiais indiscutíveis nas tecnologias da informação necessárias para desencadear guerras cibernéticas, encontram-se em clara desvantagem para enfrentar nesse campo regimes autoritários e democracias não liberais. Seus rivais autoritários não têm as limitações legais, institucionais e políticas, o controle e os equilíbrios de uma democracia.

Mas as democracias sabem aprender com a experiência. Em 1941, todos entenderam o que aconteceu em Pearl Harbor. Isso levou Washington a reagir e os americanos terminaram derrotando o Japão. Resta ver como reagirão os EUA e a Europa ao menos visível e mas perigoso Pearl Harbor virtual político do qual são vítimas. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

* É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON