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A Primavera Terrorista

Por Adriana Carranca
Atualização:

O líder da Al-Qaeda, Ayman al Zawahiri, divulgou na terça-feira três novas mensagens de uma série a que deu o nome de Primavera Islâmica. Nela, convoca muçulmanos de todo o mundo a um levante contra "infiéis", nos moldes das revoluções que chacoalharam o mundo árabe. No primeiro áudio, de sete minutos, Zawahiri conclama os sauditas a derrubar a monarquia, à qual se refere como "assassinos dos mujahedin (combatentes islâmicos)" a serviço da América e das "cruzadas". Apelo similar foi feito dias antes pelo líder do Estado Islâmico, Abu Bakr Al-Baghdadi, numa série de 15 vídeos para "abrir os olhos" dos sauditas contra a "traição e corrupção" da família real.

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Zawahiri e Baghdadi não almejam o trono da Arábia Saudita. O que está em jogo é a ascendência sobre o mundo muçulmano. Durante anos, a monarquia permitiu que o clero alimentasse o monstro do extremismo e disseminasse sua doutrina mais radical, o wahabismo, para unir e fortalecer os sunitas contra os xiitas do Irã. É a gênese da Al-Qaeda e do EI. Agora o monstro volta-se contra o criador. Al-Qaeda e EI disputam a liderança da jihad global e ambos vislumbram o petróleo e a influência da família real saudita.

Essa perigosa disputa por poder começou no ano passado, quando ficou claro que as ambições do EI iam além das fronteiras de seu autoproclamado califado no Iraque e Síria. Em 2015, o grupo organizou ou inspirou ações em quase duas dezenas de países: Afeganistão, Argélia, Austrália, Bangladesh, Canadá, Dinamarca, Egito, EUA, França, Iêmen, Kuwait, Líbano, Líbia, Nigéria, Paquistão, Tunísia, Turquia e agora também Indonésia. Juntos deixaram mais de mil mortos, segundo levantamento do New York Times.

O líder da Al-Qaeda reagiu: disse não reconhecer o califado ou seu líder e dedicou um dos vídeos da série Primavera Islâmica para atacar Al-Baghdadi, um califa "ilegítimo" que "derrama sangue dos muçulmanos para governar". Embora a Frente Al-Nusra, ligada à Al-Qaeda, lute com o EI na Síria, Zawihiri declarou: "Baghdadi não nos governa. O verdadeiro califado do Islã está no Afeganistão".

No mais longo dos vídeos divulgados esta semana, Zahahiri convoca seguidores na Indonésia, Malásia e Filipinas ao "renascimento da jihad" na Ásia. O EI, no entanto, se antecipou. Na quinta-feira, dois dias depois do apelo de Zawahiri, um atentado assumido pelo grupo atingiu Jalan Thamrin, área que abriga hotéis para estrangeiros e escritórios da ONU no centro de Jacarta, numa demonstração de força e capacidade de expansão. Entre os suspeitos, estão integrantes do Jemah Islamyiah - dissidentes da Al-Qaeda.

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Em 2012, entrevistei em uma favela de Jacarta quatro integrantes do JI condenados pelos atentados em Bali. Eles tinham acabado de deixar a prisão e estavam quebrados - um fazia bolsas femininas para vender. Um ano antes, Osama bin Laden, com quem tinham lutado no Afeganistão nos anos 1980, morrera em uma operação dos EUA. Al-Qaeda sofrera outras baixas e sua capacidade de financiamento recrudescera com o aumento da inteligência após o 11/9. No encontro, era claro que os terroristas tentavam se reorganizar. Faltavam dinheiro e liderança. O EI tem ambos.

Estima-se que 300 combatentes tenham deixado a Indonésia para lutar na Síria e 18 grupos locais declararam apoio ao EI, enquanto outros mantêm-se fieis a Zawahiri.

A queda de braço entre Al-Qaeda e EI é um perigo.

Terroristas ganham notoriedade, credibilidade e apoio, capacidade de financiamento e recrutamento no rastro de grandes atentados como o 11/9. A divisão, com ambos convocando jihadistas a um levante, pode levar a novas demonstrações de força, mais espetaculares e letais. Os ventos anunciam a primavera terrorista.  

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