A prisão eterna das meninas jihadistas

Atraídas pelo discurso extremista, europeias se juntam a grupos que não as deixam mais partir

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Elas não sabiam, mas quando as três adolescentes britânicas cruzaram a fronteira da Turquia para entrar na Síria, quando a jovem de 14 anos, grávida, fugiu da casa dos pais nos Alpes pela segunda vez, e quando uma menina que sempre foi a protegida de seus pais no sul da França marcou sua primeira viagem internacional, elas estavam, na verdade, indo para um lugar do qual, provavelmente, nunca sairiam. Apenas 2 das quase 600 jovens ocidentais que se juntaram aos extremistas na Síria conseguiram voltar para casa, segundo dados de governos europeus. Este número é bem mais generoso para os rapazes que se juntaram à jihad: cerca de 30% conseguiram sair da zona de conflito. Ao analisar entrevistas, documentos de tribunais e registros públicos, a Associated Press compilou um detalhado cenário sobre adolescentes europeus que se juntaram a grupos extremistas, como o Estado Islâmico, decisão que se mostrou, na maioria dos casos, ser definitiva mesmo quando contrariava a vontade desses jovens. As meninas se casam com extremistas quase imediatamente após chegar à Síria - com cerca de 20 mil combatentes estrangeiros, dos quais 5 mil europeus, o que não falta são jihadistas procurando uma mulher. Uma vez entre os radicais, as jovens não podem se locomover sem o acompanhamento de um homem - ou de um grupo de mulheres - segundo especialistas que analisam o grupo. As que desobedecem são submetidas a chibatas ou a castigos piores. As mulheres europeias que escrevem em blogs sobre suas vidas sob o Estado Islâmico mostram-se animadas, mas a leitura das entrelinhas de um e-book de dicas de viagem mostra uma vida que será radicalmente cerceada, com eletricidade limitada, falta dos remédios mais básicos, e praticamente nenhuma autonomia. As mulheres não lutam, dizem os pesquisadores, apesar de promessas ao estilo do hollywoodiano Jogos Vorazes. Sterlina Petalo, uma holandesa que se converteu ao Islã e passou a atender pelo nome de Aisha, viajou para a Síria em 2014 para se casar com um jihadista holandês, mas conseguiu voltar para casa meses depois - aparentemente, cruzando a fronteira com a Turquia, onde teria sido resgatada pela mãe. Ao voltar para a Holanda, foi presa sob a acusação de se unir a uma organização terrorista. Os advogados rejeitam comentar o caso, mas Sterlina foi solta em condicional em novembro e não foi formalmente acusada. A segunda garota que conseguiu fugir do califado do Estado Islâmico também o fez poucas semanas de chegar à Síria. A jovem britânica de 25 anos viajou com seu bebê até Raqqa, quartel-general do grupo na Síria, quando se arrependeu e decidiu voltar para casa. Ela fez o caminho inverso passando pela Turquia, onde foi resgatada pelo pai. Como ela percorreu os 250 quilômetros que separam Raqqa da fronteira turca não está claro. Ao voltar para a Grã-Bretanha, foi presa, pagou fiança e aguarda ser acusada formalmente. "Muitos atravessadores de pessoas estão atuando na Síria atualmente, ajudando civis a escapar da violência. Imagino se não há também um crescente mercado para esses traficantes ajudarem os que tentam escapar do Estado Islâmico", diz Joana Cook, pesquisadora do King's College de Londres, que estuda a relação entre mulheres e a jihad. Uma questão fundamental é se essas jovens têm ou não - antes que decidam fazê-lo - a percepção de como suas vidas serão limitadas e transformada depois que cruzarem a fronteira e entrarem na Síria. O caso de Nora, a jovem de 15 anos que fugiu da cidade francesa de Avignon, exemplifica essa dúvida. A menina escondeu sua segunda conta no Facebook de sua família muçulmana moderada, de origem marroquina, e foi se juntar a uma rede jihadista. Assim que se uniu à Frente Al-Nusra, uma dissidência da Al-Qaeda, ela não pôde mais sair. Seu irmão, Foad, foi para a Síria, envolvida em uma guerra, sozinho para tentar resgatar a jovem, mas foi expulso pelos extremistas, que ameaçaram executá-la. / AP  

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