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A sacudida venezuelana

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Por Mac Margolis
Atualização:

Na semana passada, numa oficina de "treinamento ideológico", o governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) revelou uma nova versão do Pai-Nosso. "Chávez nosso que estás no céu", é o nome da prece. A homenagem, claro, era para Hugo Chávez, líder revolucionário morto no ano passado, que deixou em prantos seus devotos e, de joelho, o país. Providência divina? No dia anterior, Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus que hoje dirige o país, não se sabe em qual direção, anunciou uma reforma ministerial. Até ai, nenhuma surpresa. Nos 15 anos do chavismo, sempre que a nação descarrilava, a resposta protocolar era defenestrar a "tripulação" do gabinete de governo. Maduro, com teatralidade bolivariana, rotulou sua reforma de "Sacudón", a Sacudidona. Foi mais um sismo em série. No dia 18, o mandatário pedira a todos seus 32 ministros e "vice-presidentes" para colocar seus cargos à disposição e acenara para uma guinada econômica. A decisão acendeu expectativas de que finalmente baixasse o santo de racionalidade contábil entre os fiadores do acidentado socialismo do século 21. Veio, porém, uma ilusão de óptica. A primeira baixa atingiu o topo da "boligarquia": o vice-presidente para a economia, Rafael Ramírez, que também respondia pelo ministério de Minas e Energia e presidia a Petróleos de Venezuela (PDVSA). Com tantos títulos - a Venezuela é campeã de inflação de honoríficos - Ramírez naturalmente acumulou alguns escândalos. Afinal, como titular das pastas da Economia e da Energia, ele ditava as políticas que ele mesmo executava na PDVSA e depois se auto fiscalizava. Ramírez virou o novo chanceler, cargo que lhe confere, convenientemente, imunidade diplomática. Acontece que Ramírez também entendia o tamanho do fosso venezuelano. Antes do Sacudón, propôs cortar os subsídios populistas da gasolina, que sangram os cofres da PDVSA. Sugeriu unificar o câmbio, para resgatar o valor do bolívar, e queria parar a emissão de moeda para estancar a pior taxa de inflação dos países emergentes. Fazia sentido. A inflação venezuelana anualizada passava dos 60% quando o governo parou de publicar os índices oficiais, em maio. Piorou com o congelamento de preços, que deixou intocada a inflação e esvaziou as prateleiras. Pauperizada, a PDVSA viu despencar a produção de petróleo. Com o Sacudón, tudo ficou como estava, só que mais confuso. Maduro, enaltecido, falou em aprimorar a "eficiência do socialismo". Uma passagem de ida a Havana para o companheiro que consiga explicar o que isso significa. Os venezuelanos dormiram na revolução do século 21 e acordaram com "cinco revoluções": em economia, conhecimento, bem estar, política estatal e um tal de "socialismo territorial". Para isso, o país ganha um punhado de novos ministros e vice-presidentes. O hiper ministério de Ramírez foi partido em três e os afazeres distribuídos entre boligarcas: a pasta da Economia ficou para um general do exército; a de Energia, para Asdrúbal Chávez, primo-irmão do ex-comandante. No troca-troca, uma melhoria: o novo presidente da PDVSA é um tecnocrata, com diploma em exploração petroleira. Pelo menos tem noção do tamanho da encrenca na indústria ganha-pão nacional. No mais, o Sacudón virou um carrossel. Dez dos ministros mais longevos do regime já ocuparam um total de 70 cadeiras desde o início do governo chavista. Sobem e descem, mas sempre voltam. Enquanto roda o poder, muitos fazem a mala. Uma pesquisa recente da Datanálisis revelou que um em cada dez venezuelanos planejam emigrar. Para quem ficar, resta orar para São Hugo. É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS 'VOCATIVI'

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