Mas, mesmo acostumados à terrível carência de serviços públicos, jamais imaginariam que, desde julho do ano passado, o lixo doméstico não cessaria de se acumular às portas de seus domicílios ou nas calçadas das ruas e à margem das estradas de um país que outrora se apresentava como a Suíça do Oriente Médio.
Todas as fórmulas imaginadas para resolver essa pestilenta questão fracassaram uma após a outra, apesar de uma virulenta campanha, acompanhada de manifestações, levada a cabo pela sociedade civil. Nesse ínterim, e juntamente com as tensões sectárias, tornou-se impossível dar continuidade à coleta de lixo, uma vez que todas as regiões deste minúsculo país se recusam a receber o lixo produzido pelas outras. Pela mesma razão, e à qual veio se juntar o temor da poluição atmosférica, incineradores também não puderam ser instalados. Mas tem sido especialmente a tendência de uma boa parte dos políticos às negociatas e à disputa desenfreada pelos contratos e comissões que impedem qualquer solução do problema.
A crise teve início no ano passado, quando a empresa encarregada havia 20 anos da coleta de lixo, não teve seu contrato renovado, pois o valor cobrado foi considerado excessivo. Mas as empresas candidatas à sucessão, que eram apadrinhadas por diversas personalidades políticas, se mostraram ainda mais glutonas, cobrando valores exorbitantes. Tão enorme foi o escândalo que um contrato concluído por meio de licitação e outorgado a um desses “protegidos”, foi pura e simplesmente anulado.
Em desespero de causa, as autoridades libanesas acabaram optando pela exportação do lixo: mas tal decisão provocou um escândalo ainda mais retumbante, em que estavam envolvidos diversos grupos mafiosos, estrangeiros e locais.
O primeiro elemento do escândalo: foi sem qualquer licitação e com a eliminação arbitrária dos demais concorrentes que o Conselho de Desenvolvimento e Reconstrução (CDR, órgão importante do conselho de ministros) concedeu o contrato à empresa britânica Chinook Urban Mining, para se encarregar do transporte do lixo para usinas de reciclagem russas com, bem entendido, o acordo de Moscou.
Segundo elemento: as sociedades civis imediatamente acusaram um dos dirigentes dessa empresa, Mohammed Ali Ajami, de ser um agente israelense, acusado no passado de colaborar com o Estado hebreu.
Essas acusações foram ironicamente comentadas por websites israelenses que denunciaram a mania dos árabes de ver complôs sionistas por toda a parte. Mas segundo outros sites, aparentemente independentes, Ajami, cidadão britânico e grande especulador teria agido certa vez como intermediário em negócios de interesse israelense e havia mantido excelentes relações com o premiê Ariel Sharon e depois Binyamin Netanyahu.
E para concluir, o mais estrondoso elemento desse escândalo: na terça-feira, o Ministério do Meio Ambiente da Rússia anunciou que os documentos apresentados pela empresa Chinook foram adulterados e continham assinaturas oficiais falsas. Convocada pelo governo libanês para dar explicações, a empresa não forneceu a prova da sua boa-fé; não só o contrato foi anulado, mas o Estado libanês embargou a caução de US$ 2,5 milhões que a Chinook havia depositado junto ao CDR.
Isso quer dizer que, para consternação da população, a crise do lixo retornou ao ponto de partida e o governo se propõe agora a criar quatro lixões subterrâneos em diversos pontos do território. Isso para furor dos ecologistas que temem uma poluição dos lençóis freáticos. As autoridades pretendem mesmo apelar ao Exército e à polícia para impor, mesmo que à força, a instalação desses lixões. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
ISSA GORAIEB É COLUNISTA DO 'ESTADO' E JORNALISTA RADICADO EM BEIRUTE