A voz da razão política fala alemão, não inglês

A Alemanha, onde a chance de um partido populista nacionalista governar após a eleição do próximo ano é praticamente zero, vem empurrando o continente na direção oposta

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Por Leonid Bershidsky e BLOOMBERG
Atualização:

A eleição presidencial na Áustria, em que o candidato da extrema-direita sofreu uma derrota que impressionou, deixou claro que as nações europeias terão de encontrar seu lugar entre dois polos, o de língua inglesa onde o populismo nacionalista é hoje normal, e o de língua alemã, onde a maioria o considera aterrador. 

Existem inúmeras razões para a derrota de Norbert Hofer, candidato do Partido da Liberdade, frente a Alexander Van der Bellen, ex-presidente do Partido Verde, pela segunda vez depois de um processo bem-sucedido iniciado pelo candidato da direita que resultou em uma repetição da eleição presidencial.

Alexander Van der Bellen venceu as eleições presidenciais na Áustria e derrotou o ultranacionalista Norbert Hofer Foto: EFE/Christian Bruna

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O próprio Hofer e o líder do seu partido, Heinz-Christian Strache, declararam que a derrota se deveu à decisão do líder do Partido Popular, de centro-direita, Reinhold Mitterlehner, de apoiar Van der Bellen. Segundo os direitistas, o establishment realizou um ataque em grupo contra eles. 

É difícil dizer quão importante foi o apoio do establishment político a Van der Bellen, uma vez que os mais importantes candidatos de centro-esquerda e centro-direita à presidência perderam no primeiro turno de modo lastimável.

Pode se afirmar que é também possível que os austríacos, submetidos a uma campanha eleitoral extensa, se desviaram de Hofer, de 45 anos, por causa dos seus ataques pessoais a seu concorrente, que chamou de “professor meio desligado” e de espião comunista dos soviéticos durante a Guerra Fria. 

Hofer também sofreu a humilhação de, no início, ter perdido uma ação que impetrou contra o líder social-democrata Ingo Mayr, que o chamara de nazista. Apesar de ter ganho a ação em grau de recurso em outubro, a multa de US$ 5.750 cobrada de Mayr não mitigou o insulto. 

Podemos mencionar também a crise dos refugiados, que levou muitos austríacos a penderem para o lado do Partido da Liberdade e que acalmou este ano. O fato estava ainda muito fresco na memória dos eleitores em maio, quando Van der Bellen venceu Hofer por apenas 31 mil votos, mas hoje o problema dos refugiados não é mais a grande preocupação. 

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Todos estes fatores provavelmente contribuíram para a derrota do candidato da direita. Mas não explicam porque a margem de vitória de Van der Bellen aumentou de modo tão significativo em menos de sete meses. Mesmo antes de chegaram os votos enviados pelo correio e que deviam favorecer o professor, Van der Bellen liderava com 52% contra 48%. Ou seja, mais de 130 mil votos à frente, uma vantagem enorme num país minúsculo de 8,5 milhões de pessoas. 

A melhor explicação para o fato de que o tempo a mais obtido por Hofer acabou funcionando contra ele não tem nada a ver com a política doméstica austríaca, mas com algo que ocorreu entre a votação de maio e a sua repetição neste fim de semana: o Brexit. 

Antes de o Reino Unido votar pela saída da UE no referendo de junho, 31% dos austríacos privilegiavam também a saída de seu país da instituição europeia, segundo a Austrian Society for European Politics. Imediatamente após o Brexit, essa proporção caiu para 23% e a fatia de austríacos pró-europeus aumentou de 60% para 61%. 

Em muitos países da Europa, o sentimento antieuropeu foi aplacado depois do Brexit, segundo pesquisas realizadas. Embora essas pesquisas interessem cada vez menos depois dos muitos prognósticos equivocados nos últimos anos, o resultado da eleição na Áustria é um indicador bem mais confiável de que o Brexit mais aterrorizou os europeus do que inspirou.

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Van der Bellen fez do apoio à UE o tema central da sua campanha. Hofer qualificou a campanha de alarmista, mas os austríacos ouviram o chamado de Van der Bellen como a voz da razão. 

O Brexit, com o caos doméstico que provocou no Reino Unido e a imediata degradação do papel internacional do país continuará a ser um exemplo negativo influindo na eleição geral na Holanda, em março, e na eleição presidencial francesa, marcada para abril.

E corroerá as chances de nacionalistas contrários à União Europeia, como Geert Wilders do Partido para a Liberdade, na Holanda, e Marine Le Pen da Frente Nacional, e também o desempenho da agremiação alemã Alternativa para a Alemanha, nas eleições no país, em outubro. Também deve deixar o Movimento 5 Estrelas da Itália mais cauteloso e não insistir muito no sentido de um referendo sobre uma saída da UE. 

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Os nacionalistas alemães comemoraram o voto do Brexit e a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Mas Trump está mais distante para muitos europeus e o Brexit até agora não foi muito agradável para a Grã-Bretanha. 

De algum modo, a Grã-Bretanha se sacrificou pelos centristas do continente, que podem apontar para o país e sacudir a cabeça, como fez Van der Bellen. O populismo britânico se estabeleceu, juntamente com a campanha de Trump nos Estados Unidos, como o farol para os que contestam o status- quo europeu, mas é um ponto de referência de certo modo sinistro. 

A Alemanha, onde a chance de um partido populista nacionalista governar após a eleição do próximo ano é praticamente zero, vem empurrando o continente na direção oposta. A Áustria agora se juntou a ela. Embora o Partido da Liberdade continue popular, a derrota de Hofer dificilmente contribuirá para um desempenho particularmente forte numa possível eleição parlamentar antecipada no próximo ano. 

A voz do protesto, da ruptura e do revival nacionalista hoje fala Inglês. A voz da moderação, da estabilidade e da unidade fala Alemão. É a linha de combate mais clara em décadas, talvez desde a 2ª Guerra, quando as línguas assumiam papéis opostos./ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO