Abertura cubana dá esperança a comércio

Estabelecimentos como os shoppings estatais ainda sobrevivem essencialmente das remessas

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Por Cláudia Trevisan e HAVANA
Atualização:

HAVANA - O shopping Plaza Carlos III, em Havana, tem eletrodomésticos da italiana DeLonghi, tênis Reebok e vitrine com propaganda do último perfume de Shakira. Mas atrás da aparente diversidade está a mão nada invisível do Estado cubano, que é dono do negócio e de grande parte da economia da ilha. Reformas aprovadas nos últimos anos ampliaram o espaço do setor privado, mas o governo continua a empregar pelo menos 70% dos trabalhadores.

Com a retomada dos laços com os Estados Unidos, marcada pela reabertura da embaixada americana em Havana no dia 20, há expectativa de uma gradual mudança nessa proporção. 

Plaza Carlos III é shopping estatal na capital Foto: Cláudia Trevisan / Estadão

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Além da maior parte do comércio e da indústria, o Estado também controla o lucrativo setor de turismo. Existem investimentos estrangeiros em alguns empreendimentos, mas eles não ultrapassam os 49% do capital. O governo é dono de hotéis, restaurantes e até de La Bodeguita del Medio, um dos locais mais visitados de Havana.

O trabalho por conta própria é restrito a uma lista de pouco mais de 200 ocupações, a maioria não qualificadas, diz Carmelo Mesa-Lago, professor emérito da Universidade de Pittsburgh e autor de um livro sobre as reformas implementadas por Raúl Castro a partir de sua chegada ao poder, em 2006. 

Entre as atividades permitidas estão a de guardador de carros e limpador de banheiros. Médicos, arquitetos e engenheiros não podem exercer suas profissões no setor privado, o que provoca distorções na estrutura salarial: detentores de diplomas universitários ganham mais como taxistas, por exemplo, do que trabalhando para o Estado em suas especialidades. 

As exceções são contadores, tradutores e corretores de imóveis. “Nós temos uma pirâmide invertida”, observa o jornalista Ciro Bianchi, colunista do Juventud Rebelde, da Liga da Juventude Comunista. 

Restaurantes e pousadas – chamados de paladares e casas particulares – têm sua expansão contida pela inexistência de mercado atacadista e limites ao número de clientes e empregados que podem ter. “Quanto mais funcionários, mais imposto pagam, o que não faz sentido”, ressalta Mesa-Lago.

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Câmbio. As distorções da economia são agravadas pelo uso de duas moedas, o peso cubano e o CUC, cuja cotação é mantida artificialmente pelo Banco Central em US$ 1,00 – são necessários 25 pesos para comprar 1 CUC. 

O governo promete há anos unificar as moedas, mas a decisão é sempre adiada. “As reformas são muito limitadas e lentas. Tão lentas que se paralisaram em algumas áreas”, afirma Ernesto Hernández-Catá, da Associação para Estudo da Economia Cubana.

Além da unificação monetária, ele afirma que a transferência de trabalhadores do Estado para o setor privado estancou. Em 2013, havia 1,8 milhão de pessoas ociosas na folha de pagamentos do governo, o equivalente a 36% da força de trabalho. Mas com as restrições à expansão dos negócios, o setor privado não consegue absorver esses empregados.

O salário médio dos funcionários públicos é de US$ 20 mensais, valor que restringe a capacidade de consumo dos cubanos. A renda parece ainda menor quando comparada aos preços praticados nos shoppings controlados pelo Estado. 

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No sábado retrasado, Denisel Ojar Acosta pagou 25,85 CUCs por três sutiãs e um vestido para as duas filhas. O valor é quase o dobro do salário mensal de 14 CUCs que recebe como caixa de um banco estatal. O marido é torneiro mecânico, trabalha por conta própria e ganha outros 24 CUCs por mês.

A conta só fecha com as remessas de dinheiro feitas pela cunhada, que mora no Canadá. “É assim que as pessoas sobrevivem aqui”, disse Edith Dominguéz Ortega, sogra de Denisel, que a acompanhava no Plaza Carlos III.

Mais de 2 milhões de cubanos vivem no exterior, a maioria na Flórida, e os recursos que enviam se transformaram em um dos principais motores da economia do país. Emilio Morales, presidente do Havana Consulting Group, estimou em 2013 que 62% das famílias cubanas recebiam remessas de parentes no exterior, recursos que respondiam por 90% dos gastos no comércio. Além de dinheiro, os que estão no exterior levam à ilha bens de consumo e equipamentos usados nos negócios privados.

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A soma desses fluxos foi de US$ 5,1 bilhões em 2012, segundo Morales, valor que ultrapassava a receita líquida do setor de turismo e das exportações de níquel, produtos farmacêuticos e açúcar. 

O restabelecimento de relações diplomáticas entre Washington e Havana deve ampliar ainda mais a cifra. Entre as medidas anunciadas pelo presidente Barack Obama está a elevação de US$ 2 mil para US$ 8 mil do valor que cubanos residentes nos EUA podem enviar a cada ano a seus parentes na ilha.

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