ROMA - O primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, diz publicamente torcer por uma votação em massa no referendo de amanhã sobre a reforma constitucional proposta por seu governo. Internamente, no entanto, o líder espera que parte da Itália, o empobrecido sul, decida ficar em casa.
Renzi disse que renunciaria se os italianos rejeitassem seu plano que prevê reduzir os poderes legislativos do Senado. Com a promessa, ele transformou uma discussão legal de alto nível em um voto pessoal de confiança sobre seu mandato.
Antes de um bloqueio ter sido imposto às pesquisas de opinião, há duas semanas, todas as sondagens mostravam o “não” muito à frente, causando arrepios e temores de instabilidade ao cauteloso mercado financeiro da terceira maior economia da zona do euro.
As pesquisas indicavam um forte sentimento contrário à reforma concentrado nas Províncias do sul da Itália, casa de mais de um terço do eleitorado. A boa notícia para Renzi é que a região tem os mais baixos números de participação nas eleições – um fator que pode ajudar o primeiro-ministro.
A estagnação econômica e a ampla ação do crime organizado no sul italiano têm contribuído para uma erosão constante da fé nos políticos por parte da população. “A abstenção dos eleitores favorece o ‘sim’. O mais inclinados a votar pelo ‘não’ são os menos propensos a participar”, disse o presidente do instituto de pesquisa Tecne, Carlo Buttaroni.
Na última vez em que a Itália realizou eleições, para o Parlamento Europeu em 2014, a participação das regiões ao sul de Roma foi de 51,7%, comparada com 66% do norte, incluindo a capital financeira, Milão.
O ressentimento é mais profundo na Sicília e na Sardenha, cujas economias têm sido atingidas duramente por anos de recessão. Apenas 42,7% dos moradores dessas regiões depositaram seus votos em 2014.
A participação é tradicionalmente muito mais baixa quando se trata de referendos. Pelo menos 50% do eleitorado tem de participar para que a votação seja válida. Uma tática para demonstrar descontentamento é simplesmente ficar em casa.
Precedente. Uma grande abstenção ocorreu na Itália no último referendo, em junho, sobre direitos de perfuração de petróleo, quando a participação foi de apenas 31,2%, garantindo a derrota da medida. No entanto, sob a lei italiana, o quórum seria suficiente para decidir sobre a votação de amanhã.
“Nós nos preocupamos com o fato de que as pessoas que se opõem a essa reforma simplesmente não vão votar, pensando que é apenas isso o que têm de fazer”, disse uma fonte do partido Liga Norte, que faz forte campanha contra Renzi. O Partido Democrático, de Renzi, na Sicília, tenta mobilizar seus eleitores e explicar os benefícios de seu plano, explicou o secretário regional do partido, Fausto Raciti. O partido também tenta fazer frente ao Movimento 5 Estrelas (M5S), que se diz contra o sistema e tem canalizado os votos de protesto contra as dificuldades do país, agravadas por anos de corrupção. Alguns políticos famosos do sul têm alimentado as ideias do M5S.
Vincenzo De Luca, porta-voz do PD em Campânia, a terceira maior região da Itália, que abrange a cidade de Nápoles, teve divulgado um áudio no qual é possível ouvi-lo em uma reunião recomendando tráfico de influência como uma maneira de atrair eleitores do “sim”.
“Ofereça a eles um prato de peixe, ou seja lá o que for”, disse De Luca na gravação, divulgada pelo jornal Il Fatto Quotidiano. O político veterano argumenta ainda que a região tem recebido “rios de dinheiro” de Renzi por meio de verbas.
De Luca defendeu-se dizendo que não fez nada de errado. Mas, para Federico Benini, chefe da agência de pesquisa Winpoll, as palavras de De Luca deverão reverberar. “É vital para o sul receber mais dinheiro para retomar sua economia, e ele brincou com isso e com o mais profundo instinto das pessoas.” / REUTERS