Acordo de paz precisa de apoio popular para ser política de Estado

Para juíza constitucional substituta, negociação do governo e das Farc precisa de garantias para não ser cancelada futuramente

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Por Fernanda Simas
Atualização:

As delegações que negociam a paz na Colômbia começaram, na sexta-feira, a discutir as formas de “implementação, verificação e referendo” do acordo final de paz entre governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

“O processo precisa ser aberto e com a participação de uma grande quantidade de pessoas para que se possa ter confiança de que não seja algo momentâneo e conjuntural da história política colombiana”, afirma a juíza substituta e professora de Direito Constitucional Catalina Bottero sobre a provável realização de um plebiscito após a assinatura do acordo de paz. Para ela, mudanças nas leis foram necessárias para garantir que o processo não seja alterado por futuros governos.

Anistia a guerrilheiros:Para magistrada Catalina Botero, é preciso separar tipos de crimes cometidos Foto: MARCOS DE PAULA/ESTADÃO

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- Como a senhora analisa a mudança na Lei de Ordem Pública?

Qualquer país que tenha assinado o Tratado de Roma, passe por um conflito interno e queira uma transição pela democracia, precisa satisfazer requisitos mínimos, que se referem basicamente aos direitos das vítimas à verdade, justiça, reparação e garantia de não repetição. Para isso, é preciso tomar medidas como criar zonas especiais onde os combatentes possam se reunir para entregar as armas, porque não podem fazer política armados. Isso não está previsto na Constituição da Colômbia e é importante haver uma série de reformas na Lei de Ordem Pública que estabeleça essas zonas e garanta que os combatentes vão entregar ou se desfazer das armas e tornem o processo de paz sustentável.

- Há diferença jurídica entre entregar e se desfazer das armas?

Não. São diferenças simbólicas e pragmáticas. A questão é se os guerrilheiros entregam as armas ao Estado ou a um terceiro. Há quem defenda que haja uma entrega e há outros que dizem “não vamos entregar armas ao Estado contra o qual combatemos por mais de 50 anos”. A diferença prática é que a entrega é feita às autoridades públicas estatais e simplesmente “deixar as armas” envolve um terceiro, que as recebem e as destroem.

- É preciso realizar outras mudanças jurídicas?

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Talvez. O processo de justiça transicional não é um processo qualquer, é um processo de reincorporação à vida civil de uma guerrilha que ficou mais de 50 anos combatendo. As leis para assegurar que haja uma reconciliação nacional, que esses fatos não se repitam e os guerrilheiros possam fazer política sem armas são leis muito profundas, que a Constituição não prevê. Por isso, é preciso fazer ajustes e ter uma forma de Justiça que satisfaça os direitos das vítimas, mas, ao mesmo tempo, permita o processo de paz. Isso não pode ser feito por meio dos procedimentos ordinários. O sistema de justiça (existente) é incapaz de atender essa demanda.

- Os crimes não foram cometidos apenas pelos guerrilheiros.

Claro. É preciso separar os crimes suscetíveis de anistia dos não suscetíveis. Os crimes previstos em cortes internacionais não podem ser anistiados, independentemente da bandeira sob a qual foram cometidos. A dúvida é qual processo de justiça será aplicado em cada caso. O que está claro até agora é que qualquer pessoa que tenha cometido crimes de guerra e de lesa-humanidade não será anistiada. O que está no rascunho é que a punição deve ser a mesma para todos, mas o acordo final ainda não foi assinado. Falta saber como será adotado esse sistema, como será recebido na sociedade e como será implementado.

- Um plebiscito é a melhor opção para dar credibilidade ao acordo?

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Independentemente da forma, está claro que se não houver um processo participativo e deliberativo o acordo não terá legitimidade política e fica muito difícil sustentá-lo jurídica e politicamente. O plebiscito, ou outro tipo de consulta popular, é necessário para que o processo seja politicamente blindado, o que é fundamental em um país tão dividido.

- As mudanças na lei são uma maneira de impedir que outro governo anule o que foi feito?

Sim. É uma forma de dar garantias jurídicas ao acordo. O processo precisa ser aberto e com a participação de uma grande quantidade de pessoas. Para isso, as Farc também precisam estar dispostas a entender que não estão negociando com um Estado monolítico, com um Exército, para que se possa ter confiança de que o acordo não seja algo momentâneo e conjuntural, mas sim uma aposta histórica séria e uma política de Estado. E isso se consegue por meio da blindagem do acordo juridicamente.

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- O que precisa mudar no entendimento das Farc?

As pessoas que estão em Havana negociando representam o governo e setores muito importantes da sociedade colombiana, mas o que as Farc não entenderam é que a Colômbia é muito mais complexa e diversa. O Estado não á apenas um Exército, há muitas pessoas que querem participar e serem escutadas. Não é porque o governo chegou a um acordo, que todos vão cumpri-lo. Acredito que as Farc entendem a importância de blindar o acordo, mas não entenderam que precisam fazer mais concessões para que a população aceite com tranquilidade um processo tão difícil. Um exemplo: a comunidade indígena disse que não está disposta a ver as zonas de concentração dos guerrilheiros ser feita em territórios de seus ancestrais. Isso abriu uma polêmica muito importante. A partir daí, as Farc entenderam que precisavam ouvir todos e agora há outros setores participando da mesa de negociações em Havana.

- Pontos do acordo com as Farc poderão ser adotados em uma negociação com o ELN?

Qualquer coisa que eu diga agora será especulativa, mas o que penso é que há coisas que podem ser acordadas conjuntamente. Não vejo que outra reivindicação possa ter o ELN (Exército de Libertação Nacional) diferente das que estão sendo expostas em Havana. Simbolicamente, eles (ELN) podem querer uma série de atos especiais de negociação exclusivas, mas acho que deveria se buscar uma forma de unir os processos.

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