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Ainda dividido, Egito comemora 1º ano do levante que derrubou Mubarak

Milhares de manifestantes voltam à Praça Tahrir, no Cairo, para celebrar fim do regime

Por BBC Brasil
Atualização:

CAIRO - Milhares de egípcios comemoram nesta quarta-feira, 25, o aniversário de um ano do início do levante popular que levou à queda do presidente Hosni Mubarak, após quase 30 anos no poder. No entanto, mesmo um ano depois da revolução, o Egito ainda vive uma grande divisão entre os principais grupos políticos, o que traz incerteza sobre o futuro do país. Nesta quarta-feira, milhares de pessoas participam de uma manifestação na Praça Tahrir, no centro do Cairo, comemorando o primeiro aniversário do levante. Alguns comemoram o sucesso dos partidos islâmicos nas primeiras eleições depois da queda de Mubarak, enquanto outros pedem mais reformas políticas. Além disso, para marcar o aniversário, foi anunciado nessa terça-feira que a lei de emergência que vigora quase ininterruptamente no país há mais de 40 anos será revogada. Enquanto isso, Mubarak está sendo julgado, acusado de ordenar a morte de manifestantes. O ex-presidente nega as acusações. Centenas de pessoas que foram condenadas à prisão por tribunais militares tiveram sua libertação marcada para esta quarta-feira, como uma concessão aos manifestantes. Já na última segunda-feira, o Parlamento eleito em novembro se reuniu pela primeira vez. O Partido da Liberdade e Justiça, ligado à Irmandade Muçulmana - banida durante o regime de Mubarak - tem a maioria das cadeiras. A sessão foi aberta com um momento de silêncio em memória dos mortos nos protestos contra Mubarak. Volta à Praça Tahrir Na noite dessa terça, milhares de pessoas já se estavam acampadas na Praça Tahrir, ponto central dos protestos de um ano atrás. Pela manhã, outros milhares de manifestantes se juntaram a eles, representando tanto o lado liberal quanto o islâmico do novo espectro político do Egito. O correspondente da BBC no Cairo Jon Leyne diz que o clima até o momento é pacífico, lembrando mais uma grande festa a céu aberto do que um protesto político. Segundo Leyne, os diversos grupos competem entre si para reivindicar a autoria da revolução, desde o movimento jovem que deu início aos protestos um ano atrás até a Irmandade Muçulmana, que agora domina o Parlamento egípcio, e o Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o poder após a queda de Mubarak, em fevereiro. Os manifestantes que passaram a noite na praça ergueram barracas e entoaram cantos contra a junta militar, cuja saída imediata do poder é defendida por muitos. "Nós não estamos aqui para comemorar, nós estamos aqui para derrubar o regime militar", disse o farmacêutico Iman Fahmy à agência AP. "Eles falharam com a revolução e não cumpriram nenhuma de suas metas." Outros grupos cantaram "fora com o regime militar" e "revolução até a vitória, revolução em todas as ruas do Egito". Mas algumas pessoas na praça disseram que os protestos devem acabar, e que os novos líderes devem ter tempo para levar o Egito adiante. "O Conselho vai deixar o poder de qualquer jeito. Claro, a revolução está incompleta, mas isso não significa que nós devemos obstruir a vida", disse o contador Mohamed Othman à agência Reuters. Já outros disseram ter ido à praça para lembrar as mais de 850 pessoas mortas durante os protestos de 2011. "Nós não devemos nos esquecer que houve um derramamento de sangue aqui. Isto não é uma comemoração, mas sim um grande evento para enviar nossas condolências a nossos irmãos que morreram entre 25 de janeiro passado e agora", disse Walid Saad. Lei de emergência Nessa terça-feira, o presidente da junta militar, marechal Mohamed Hussein Tantawi, disse que a lei de emergência - em vigor no Egito quase sem interrupções desde 1967 - deverá ser revogada. No entanto, Tantawi disse que a lei ainda seria aplicada em casos de "vandalismo", mas sem dar mais detalhes. Os militares usaram o termo "vândalos" para justificar a repressão às pessoas que demandavam o retorno a um regime civil.

 

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O fim da lei era uma das principais reivindicações dos manifestantes. Em seus quase 30 anos no poder, Mubarak prometeu várias vezes revogar o decreto, mas nunca cumpriu a promessa. No ano passado, os generais ampliaram a abrangência da lei de emergência para incluir greves de trabalhadores, transtornos no trânsito e a divulgação de informações falsas. A junta militar também anunciou que mais de 1,9 mil prisioneiros foram anistiados por Tantawi. Entre eles, estaria o famoso blogueiro Michael Nabil, detido por insultar as forças armadas. Três facções Analistas apontam que a luta pelo poder no Egito é travada entre os revolucionários, os islâmicos e o Exército - facções que, de acordo com os especialistas, estão longe de ser homogêneas. "Todas (as facções) estão sendo transformadas, de maneira desconfortável, pela situação na qual elas se encontram", diz o analista Roger Hardy, autor do livro The Muslim Revolt: A Journey through Political Islam ("A Revolta Muçulmana: Uma Jornada pelo Islã Político", em tradução livre). Segundo Hardy, os jovens revolucionários têm muita energia e moral, mas são essencialmente anárquicos e sem liderança, o que os deixa como a ponta mais fraca na disputa pelo poder. Já os líderes islâmicos, que têm a maioria no Parlamento, precisam buscar, de acordo com o analista, a confiança dos secularistas, dos cristãos, das mulheres e dos militares, que desconfiam deles. Com isso, a busca pelo consenso com as outras partes torna-se a única saída possível para este grupo. Por último, Hardy diz que os generais - jogados para o centro da vida política egípcia depois da revolução - estão ansiosos para deixar o poder, desde que seus interesses mais fundamentais sejam respeitados, como a garantia de que nenhum governo civil vá questionar seu orçamento ou seus privilégios. Para o analista, um elemento chave para a barganha entre essas facções será a nova Constituição, que vai, entre outras coisas, determinar se o Egito terá um sistema presidencialista ou parlamentarista, se ele será governado por uma lei secular ou islâmica e fornecer uma base para as relações entre militares e civis. "O consenso não é impossível, mas ele será uma estrada esburacada", diz Hardy.

 

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