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Alvo de greves e críticas, líder haitiano ganha mais autonomia para reformas

Saída de tropas da ONU após 13 anos abre caminho para Jovenel Moise levar adiante agenda que inclui reativação das Forças Armadas; população reclama de taxação a conterrâneos que visitam país e analistas se preocupam com falta de transparência

Foto do author Luciana Garbin
Por Luciana Garbin e PORTO PRÍNCIPE
Atualização:

PORTO PRÍNCIPE - Considerado um empresário de centro-direita de sucesso, o presidente haitiano, Jovenel Moise, aposta numa agenda de reformas para tentar fazer girar a economia do país mais pobre da América. Mas tem enfrentado greves e críticas por parte da população em seus primeiros sete meses no poder. Moise será o governante com maior autonomia desde que, há 13 anos, a ONU enviou a missão de paz chefiada pelo Brasil e encerrada na quinta-feira.

Petion Ville, um dos melhores bairros de Porto Príncipe. General brasileiro diz que foram feitas muitas melhorias no país Foto: Hélvio Romero / Estadão9

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Duplamente eleito – em 2015 numa eleição que acabou anulada e no fim de 2016 –, ele tomou posse em 7 de fevereiro com as promessas de fazer o país voltar a exportar, melhorar a agricultura, investir no potencial turístico e recriar as Forças Armadas.

Desde então, segundo o embaixador do Brasil no Haiti, Fernando Vidal, o país tem dado mostras de maior estabilidade. Seu primeiro-ministro, Jack Guy Lafontant, por exemplo, foi aprovado na primeira tentativa pelo Congresso. E o gourde, a moeda local que estava em queda livre, se valorizou. No começo do ano, lembra, US$ 1 equivalia a 70 gourdes. Agora, são 60 gourdes. “Em uma economia que importa quase tudo, essa valorização tem muito impacto”, diz o embaixador.

Moise tem tentado implementar medidas econômicas duras, que incluem redução gradual de subsídios de combustíveis e aumento de impostos. Boa parte do dinheiro do Haiti vem de plantações de arroz e banana, da indústria têxtil que alimenta o mercado americano e, principalmente, do que os haitianos chamam de diáspora, os milhares de cidadãos do país espalhados pelo mundo. É justamente essa tentativa de taxar a diáspora que vem causando maior discussão. 

“O povo está revoltado”, conta o cabeleireiro e tradutor Jerry Anteys. “Eles querem que o haitiano pague US$ 180 toda vez que vier visitar um parente.” Muita gente também está insatisfeita com o governo, em sua opinião, porque foram prometidos investimentos na agricultura e escolas de graça, que ainda não apareceram. “Aqui quase todas as escolas são pagas. Há poucas públicas e se você quiser estudar numa pública tem de pagar por fora para o funcionário de dentro conseguir uma vaga.” 

Na saúde, Jerry conta que o Hospital Generale, um dos poucos públicos do país, tem servidores parados e pacientes no chão. A opção é recorrer a clínicas privadas ou ao hospital da Cruz Vermelha. No parque industrial de Sanopi, funcionários de empresas que exportam produtos têxteis para os EUA se uniram para tentar aumentar a remuneração de 300 gourdes – o salário mínimo diário – para 800 gourdes. Conseguiram só 50.

Uma das principais promessas de campanha foi normalizar o fornecimento de energia elétrica. De cada 12 casas no Haiti, apenas 4 são abastecidas e de maneira irregular. Dessas, apenas uma paga conta de luz. A reportagem visitou Tabarre, um bairro considerado de classe média na região de Porto Príncipe. Ali, moradores têm luz três dias na semana. Nos outros, precisam recorrer a geradores, que são encontrados em mercados por todo o país e em outdoors de Petion Ville, o distrito mais rico do Haiti.

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A falta de transparência do governo, segundo o advogado Brian Concannon, diretor-fundador do Institute for Justice and Democracy in Haiti (Boston, EUA), é um dos entraves. Segundo ele, vários analistas econômicos preocupam-se com o fato de o programa do presidente não ser muito “realista”. “Não houve nenhum anúncio de um plano realista para executar essa tarefa (fornecer energia) ou de como atacar alguns dos problemas da capacidade de geração de energia no país”, afirmou Concannon, acrescentando que pouco se conhece dos detalhes de projetos de larga escala anunciados por Moise.

Há dois anos e meio no Haiti, o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro, comandante das ações militares da Minustah, diz que o governo tem melhorado estradas no interior do país, como no trecho entre Gonaive e Cap Haitien. Apesar de toda a sujeira nas ruas, ele garante que a situação já foi pior, pois hoje há máquinas trabalhando para tirar o lixo que desce das montanhas e de distritos como Petion Ville. Também é possível ver equipes de limpeza pública nas ruas, que em muitas partes tentam limpar calçadas com mais esgoto e terra do que cimento, e vias recém-pavimentadas. “O Haiti está uma Noruega perto do que era”, afirma o general.

O embaixador brasileiro diz que ainda percebe um esforço no combate à cólera. “Ainda é um drama, mas pouco a pouco está melhorando, sobretudo porque tem apoio externo.” Muitos haitianos culpam a Minustah por ter introduzido cólera no país. Especula-se que nepaleses possam ter trazido o vibrião que se prolifera por alimentos e água contaminada, abundantes no país cujo PIB do ano passado foi de apenas US$ 8,023 bilhões. O do Brasil foi de US$ 1,796 trilhão. Já o orçamento anual do Haiti é de cerca de US$ 2 bilhões. 

Com um bolo tão pequeno não é de estranhar que a recriação das Forças Armadas também cause discussão. Promessa de campanha de Moise, a medida é considerada fundamental pelo governo para manter a estabilidade, mas causa controvérsia pelo custo e pelo histórico de participação de militares em golpes. Parte da população ainda associa soldados aos tonton macoutes, “bichos-papões” da guarda pessoal do ditador François Duvalier, o Papa Doc, que governou o Haiti entre 1957 e 1971 e foi substituído pelo filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, que ficou até 1986. Daí até a chegada da Minustah, em 2004, foram outros 15 presidentes. Um deles foi Jean-Bertrand Aristide, que nos anos 90, deposto por um golpe militar, acabou com as tropas ao retomar o poder. Sem soldo, mas com as velhas armas, esses ex-militares representavam um dos fatores de instabilidade do país em 2004, quando a Minustah chegou. / COLABOROU RENATA TRANCHES

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