Análise: Ataque contra Assad envolve oportunidades e riscos para Trump

Ação na Síria oferece ao governo do republicano uma oportunidade de cobrar de Putin que refreie ou remova o líder sírio, caso contrário o magnata expandirá a limitada ação militar americana

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Por David E. Sanger
Atualização:

WASHINGTON - Ao lançar um ataque militar apenas 77 dias depois de sua posse, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem a oportunidade, mas dificilmente uma garantia, de mudar a percepção de desordem de seu governo.

O ataque também centralizará a reunião deste fim de semana entre o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin – o primeiro encontro face a face do líder russo com um membro do governo Trump.

Ativistas indianos criticaram oataque dos EUA à base aérea síria; decisão de Donald Trump foi uma retaliação ao ataque químico na Síria que matou cerca de 100 pessoas Foto: REUTERS/Rupak De Chowdhuri

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Antes do ataque a uma base aérea síria na noite de quinta-feira 6, a expectativa era que a reunião seria dominada pela investigação dos ciberataques da Rússia e sua interferência na eleição presidencial a favor de Trump. Mas a ação na Síria oferece ao governo do republicano uma oportunidade de cobrar de Putin que refreie ou remova o líder sírio, Bashar Assad, caso contrário Trump expandirá a limitada ação militar americana – e rapidamente – se o presidente russo não o fizer.

O ataque do governo sírio com armas químicas contra o território rebelde forçou a mão do governo, disse Antony J. Blinken, vice-secretário de Estado do ex-presidente Barack Obama. “Nós temos que agir”, disse Blinken poucas horas antes de Trump lançar o ataque. “Isto vai além da Síria”, disse ele. “Assad está indo contra a norma que observamos desde a 1.ª Guerra”, quando ataques químicos foram amplamente usados desde o começo.

Muitos dos assessores de alto escalão de Obama, Blinken entre eles, defenderam uma ação similar no fim do verão de 2013, quando o então presidente americano se aproximou da chamada linha vermelha que ele havia criado com respeito ao uso de armas químicas por Assad. Em vez de agir como havia ameaçado, Obama optou – com a ajuda das Rússia – por forçar Assad a um acordo para enviar grande parte, mas claramente não tudo, do estoque de armas químicas da Síria para fora do país.

Posteriormente, Obama disse que estava “muito orgulhoso daquele momento” por ter rejeitado as advertências do establishment de Washington. Poucos de seus principais conselheiros em política externa concordaram.

Durante a campanha de 2016, Trump defendeu energicamente que a decisão de Obama naquele momento fora um símbolo da fraqueza americana que nunca deveria se repetir. Nesse sentido, o ataque de quinta-feira foi quase pré-ordenado.

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Mas haverá também riscos consideráveis para Trump nas próximas semanas, depois que a satisfação imediata de fazer Assad pagar um preço por atos de barbarismo arrefecer.

O primeiro risco é que seu gambito com Putin fracasse. O líder russo pode ter preferido fortemente Trump a sua rival, Hillary Clinton, na eleição. Mas ele provavelmente não vai entrar num acordo que coloque em risco sua influência sobre a Síria, e, com ela, em seu principal ponto de apoio no Oriente Médio. A Síria abriga a principal base militar da Rússia fora de suas fronteiras.

Um segundo risco é que Trump, ao tentar a sorte com Assad, prejudique seu objetivo principal na região: derrotar o Estado Islâmico (EI). Se a Síria ruir, ela poderá se tornar um porto seguro para terroristas islâmicos, a exata situação que Trump tenta evitar.

 

Não está claro se os combatentes do EI, já postos para correr meses antes de Trump assumir, estão em condições de explorar uma Síria ainda mais esfacelada. Mas, como frequentemente observa David H. Petraeus, general do Exército aposentado que decidiu pelo reforço de tropas no Iraque, uma das lições da última década é que se um vazio de poder se cria na região, alguma variedade de extremistas islâmicos o explorará.

O terceiro risco é que Trump não tem nenhum plano de verdade para pacificar a Síria. As negociações chefiadas pelos americanos para criar algum tipo de acordo político – que foi a missão de John Kerry nos seus 18 meses finais como secretário de Estado – fracassaram.

Tillerson não mostrou nenhum desejo de iniciar novos planos. E o orçamento proposto por Trump faz cortes nos programas que proporcionariam alívio aos sírios desabrigados, sitiados, que sobreviveram a seis anos de guerra civil.

Evidentemente, o conflito que levou Trump a empreender uma ação militar pela primeira vez como chefe de governo não era o que ele esperava. Durante sua campanha, ele descartou a noção de intervenções humanitárias, e numa entrevista ao jornal The New York Times em 2016, ele nem mesmo conseguiu definir as condições que o tentariam a usar as forças militares americanas para defender a população estrangeira de um ditador perverso. Isto simplesmente não se encaixava na sua definição de “América em primeiro lugar”.

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Mas como muitos de seus antecessores, Trump não escolheu os eventos que levaram a seu primeiro uso de força significativa. A questão agora é se sua equipe nova e não testada – dividida em suas próprias definições de como e quando usar o poderio americano – conseguirá transformar a intervenção na Síria em algo mais que uma demonstração de força simbólica. / Tradução de Celso Paciornik