Análise: Ataque é teste para chanceler que tenta quarto mandato

Política migratória deve ser questionada por opositores e incertezas no exterior podem atrapalhar a política alemã

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Por Alison Smale e NYT
Atualização:

Ela encarou uma crise do euro que se transformou em encruzilhada existencial para a União Europeia (UE), enfrentou a ocupação de território da Ucrânia pela Rússia e, praticamente sozinha entre os pares, recebeu em seu país mais de meio milhão de refugiados que cruzaram as fronteiras europeias. Mas, ao tomar essa decisão fatídica, a chanceler alemã, Angela Merkel, passou a enfrentar o que quase todos já consideram o momento mais difícil de seus 11 anos no poder depois que um ataque terrorista em Berlim matou 12 pessoas.

O atentado deixou a chanceler ainda mais vulnerável tendo em vista a aproximação das eleições de 2017. Uma derrota sua poderá ter consequências globais. Com o populismo de direita em alta na Europa, Merkel é vista como um baluarte contra os inimigos da democracia. Se ela perder força, a já enfraquecida UE poderá sofrer ferimentos profundos, mesmo fatais.

A chanceler Angela Merkel assina o livro de condolências na igreja memorial Kaiser Wilhelm. Foto: Reuters/Hannibal Hanschke

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Por enquanto, a principal preocupação de Merkel é doméstica. Ela havia relutado abertamente em disputar um quarto mandato. Mas um senso de dever – não apenas com o partido ou o país, mas com a Europa, à medida que forças populistas avançam – parece tê-la feito subestimar o óbvio: quase todo líder democrático fica sujeito ao desejo de mudança dos eleitores após três mandatos.

Mais que ninguém, a chanceler está ciente das dificuldades. Num congresso partidário em que delegados manifestaram insatisfação com sua decisão de admitir quase 1 milhão de migrantes, muitos deles muçulmanos, ela pediu apoio: “Vocês precisam me ajudar”. Antes, após sua coalizão ter perdido duas eleições estaduais em setembro, Merkel chegou a dizer que gostaria de voltar muitos anos no tempo para rever vários aspectos da política de imigração.

Isso tudo reflete sua sensação de temor frente ao partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita, que se lançou em 2013 como uma agremiação contra o euro e consolidou-se em 2015 com uma plataforma anti-imigração. Líderes da direita não hesitaram em responsabilizar a chanceler e sua política de imigração pelo atentado. Piorando as coisas para Merkel, Horst Seehofer, líder na Bavária do partido irmão da CDU na coalizão, a União Social Cristã (CSU), exigiu uma revisão na política de imigração e segurança. Merkel, que precisa do apoio do CSU para governar no próximo ano, ainda não respondeu. Seu gabinete, no entanto, aprovou rapidamente um conjunto de medidas, anunciadas em agosto, para reforçar a segurança doméstica.

Jackson Janes, especialista em Alemanha do American Institute for Contemporary German Studies, previu que Merkel terá “um ano realmente difícil”. As incertezas no exterior também vão atrapalhar a política alemã, disse ele. Isso pode significar que mais partidos consigam os 5% de votos para entrar no Parlamento no próximo ano, o que tornaria mais difícil formar uma coalizão sob Merkel, mesmo que ela vença.

Outro perigo é a perspectiva de interferência russa nas eleições alemãs, como assinalou o chefe do serviço alemão de informações do exterior, Bruno Kahl. A própria Merkel, em declarações sobre a atuação de hackers que deixaram recentemente 900 mil alemães sem telefone e internet, afirmou que “esses ataques cibernéticos, ou conflitos híbridos, como são conhecidos na doutrina russa, fazem hoje parte da vida diária e temos de aprender a lidar com eles”. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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* É JORNALISTA

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