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Análise: Ataque em Ancara não é suficiente para unir um país polarizado

Por Tim Arango
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Após o ataque terrorista com o maior número de mortos na história moderna da Turquia, líderes mundiais, incluindo o papa Francisco, o presidente dos EUA, Barack Obama, e a rainha Elizabeth II, ofereceram suas condolências a um país enlutado. Mas o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que costuma ter uma presença dominante na vida pública, emitiu apenas um breve pronunciamento, sem fazer discursos. Dias antes, seu país teve razão para celebrar: Aziz Sancar, cientista americano de origem turca, ganhou o Nobel de química. Em vez de celebrar, veio à tona um debate indagando se ele era de fato turco, levando-se em conta seu parentesco distante com um deputado curdo nascido no sudeste do país, onde a maioria da população é curda. Em entrevista à BBC, Sancar disse: “Não falo curdo, sou turco e ponto final”. Atualmente, nada parece ser suficiente para fazer os turcos se unirem, mesmo durante um momento compartilhado de pesar ou triunfo. E as reações mais recentes refletem uma sensação cada vez mais profunda, indicando que o país se tornou perigosamente polarizado. “Esse é o erro mais fatal da Turquia na sua história. E o fato de não podermos nos unir como país em torno da dor causada pela perda de nossos cidadãos é profundamente entristecedor”, disse Ziya Meral, acadêmico turco que mora em Londres. Horas depois do ataque, na frente da estação de trem de Ancara, capital turca, os líderes políticos se dedicaram mais ao atrito interno do que ao consolo dos que perderam parentes. O líder curdo Selahattin Demirtas culpou diretamente o governo pela violência, em comentários que foram criticados até por aqueles contrários ao governo. Num pronunciamento à imprensa transmitido em cadeia nacional, o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, fez um apelo à união nacional, mas atacou seus opositores. Analistas explicam a falta de união na Turquia, mesmo diante de tamanha tragédia, como resultado da divisão cada vez mais profunda promovida pelo comando de Erdogan e de seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), no governo há 13 anos. Faz tempo que a Turquia se divide de acordo com determinados critérios – seculares e religiosos, ricos e pobres, turcos e curdos – e houve um momento em que Erdogan pareceu capaz de resolver essas tensões. Ele buscou a paz com os curdos, deu poder às massas religiosas antes oprimidas e, durante algum tempo, liderou uma economia robusta.  Mas, recentemente, tudo isso se reverteu, e Erdogan afastou muitos de seus antigos partidários. Seu governo prendeu jornalistas, perseguiu empresários com investigações tributárias de motivação política e reprimiu o movimento político curdo. A Turquia passou a enfrentar uma série de ameaças à sua segurança. Mas, como demonstrou a reação de todos os segmentos da sociedade na sequência dos atentados em Ancara, o país está principalmente em guerra consigo mesmo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL *Tim Arango é jornalista  

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