Análise: Rivalidade dá lugar a pragmatismo

Rússia e Turquia trabalham para acertar suas conflitantes estratégias na Síria

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Por Max Fisher
Atualização:

Nas mídias sociais, muitos viram semelhança entre a morte do embaixador turco e o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, da Áustria, que deflagrou a 1.ª Guerra – comparação que os analistas, felizmente, rejeitaram. Algumas questões básicas:

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1. O caso pode levar a um conflito entre Turquia e Rússia?

É bastante improvável. Até agora, os dois países trabalham juntos para resolver a situação. Eles parecem estar afinando suas explicações sobre o que aconteceu para responsabilizar inimigos mútuos. Nos últimos meses, Turquia e Rússia vêm tentando acertar suas antes conflitantes estratégias na guerra síria. Aaron Stein, especialista em Turquia no Conselho Atlântico, é taxativo: “A Turquia precisa da Rússia para atingir seus interesses na guerra; e a Rússia precisa da Turquia para ganhar, segundo sua concepção de vitória”.

2. Por que tem havido tensão entre Turquia e Rússia?

É também em razão da Síria. Mas os dois estão tão empenhados em proteger suas agendas na Síria que mesmo seus líderes, nacionalistas e sempre prontos a polemizar, vão preferir baixar a fumaça. As duas nações estavam, e de certa forma ainda estão, em lados opostos da guerra síria. A Turquia se opõe ao presidente sírio, Bashar Assad, e apoia os grupos rebeldes. A Rússia apoia Assad e entrou a seu lado no conflito em 2015. Logo que a Rússia começou a intervir, seus aviões passaram a bombardear posições dos rebeldes apoiados pelos turcos e voar ao longo – segundo a Turquia, através – da fronteira turco-síria. Em novembro de 2015, a Turquia abateu um avião russo, o que levou a uma séria crise e temores de guerra. A crise ameaçou chegar aos EUA, comprometidos com a defesa da Turquia, aliada na Otan, e empenhados em evitar a escalada do conflito sírio.

Em setembro, bombardeios mataram centenas de sírios nas áreas do país controladas por rebeldes, enquanto a oposição considerava se unir ao acordo de cessar-fogo estabelecido entre EUA e Rússia Foto: AFP PHOTO / AMEER ALHALBI

3. Como é que eles se aproximaram?

Após anos tentando derrubar Assad, a Turquia mudou recentemente para uma estratégia mais modesta: impedir grupos curdos sírios de conquistarem territórios demais ao longo da fronteira. Essa mudança alinhou o país com a Rússia. A Turquia teme que o controle curdo da fronteira possa fortalecer o separatismo em território turco, onde o governo de Ancara combate grupos curdos, alguns dos quais são responsáveis por ataques terroristas. A entrada da Rússia na guerra também alterou os cálculos turcos, tornando a campanha contra Assad mais cara e com menos probabilidades de sucesso. Os dois países parecem ter chegado a um acordo não oficial: a Turquia retira o apoio a grupos rebeldes que ameaçam interesses russos na Síria e a Rússia para de apoiar grupos curdos sírios. A Rússia também permitiu a forças turcas e milícias aliadas ocuparem territórios na fronteira síria que haviam estado sob controle de curdos e do EI.

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4. O assassinato muda alguma coisa?

Se o ataque tiver alguma consequência, será reforçar essa parceria. Stein calcula que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, poderá tentar desviar a atenção da impopular política de seu governo na Síria responsabilizando pelo ataque o religioso turco Fethullah Gulen, que vive nos EUA e ao qual Erdogan já acusou da tentativa de golpe deste ano na Turquia. Gulen nega a acusação e Washington rejeita extraditá-lo. A situação deixou tensos os laços entre os EUA e a Turquia, embora essa tensão ajude Erdogan a conquistar apoio interno, dada a impopularidade dos EUA na Turquia. “O maior perdedor na atual situação será Washington”, diz Stein. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ