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Ao vencedor, as fritas

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Por MAC MARGOLIS
Atualização:

A julgar pela mídia oficial, na semana passada, a Venezuela entrou em estado de alerta. A ameaça teria vindo de um inimigo inusitado, o McDonald's, afamado fornecedor global de calorias rápidas. Sua arma? As batatas fritas. Ou melhor, a falta delas. "McDonald's entra na guerra econômica contra a Venezuela" foi a manchete da edição do dia 6 no portal da Telesul. Se por vezes fica difícil decifrar a tragédia que atropela a Venezuela, como se fosse em marcha lenta, notícias como essa não ajudam. A "crise" começou há algumas semanas, quando as batatas fritas, petisco emblemático da marca, sumiram de mais de 100 lanchonetes venezuelanas. Ninguém soube explicar o desfalque do cardápio, nem mesmo a Arcos Dorados, divisão latino-americana que toca os negócios da multinacional no continente. Aos inconformados, na surdina, a empresa partiu para a velha ferramenta da substituição de importados, oferecendo a nacionalíssima mandioca frita e arepas, uma panqueca nativa, feita de farinha de milho. A reação oficial veio apenas quando a notícia repercutiu no exterior, alimentando a especulação de que a batata - toda ela importada dos Estados Unidos - fosse a mais nova vítima da prostração econômica do país. Com o preço do petróleo - ganha-pão venezuelano - em queda livre e garroteado pela escassez de dólares, o comércio internacional com a Venezuela empacou. Como os venezuelanos importam metade do que comem, e pagam em dólar, o presidente Nicolás Maduro se mandou em uma visita a seus novos melhores amigos, em Pequim, de boina na mão. Justamente na semana da batata. Em Caracas, a primeira patada nos gringos foi de Dante Rivas, titular da Autoridade Única Nacional em Trâmites e Permissões - espécie de cartório máximo de licenças do país. Ufanista, saudou a escassez como uma bela oportunidade bolivariana. "Acabaram-se as batatas fritas do McDonald's, coisa boa", postou na sua conta do Twitter. "Que seja bem-vinda a turbulência e vamos comer mandioca frita, 100% feita na Venezuela." Já Maduro elevou o tom. Ao saber da polêmica, alimentou-a, repassando em sua conta no Twitter uma pérola sobre o flagrante de um dente humano que supostamente teria sido encontrado dentro de um saco de batatas fritas do McDonald's no Japão. Em seguida, repassou outro tuíte, tachando de cancerígenas as douradinhas americanas. O libelo ganhou ressonância no portal Aporrea, mídia virtual amiga do regime de Maduro, que também publicou um prontuário sobre as supostas toxinas ocultadas nos badalados McLanches. A confusão só aumentou quando, na outra ponta, a Telesul soltou sua nota, em Caracas, denunciando o que seria uma "guerra declarada". Estaria o McDonald's dedicado a envenenar os venezuelanos ou a privá-los, covardemente, de suas iguarias? Para os venezuelanos, já acostumados ao exótico cardápio bolivariano, foi apenas mais do mesmo. O que mais esperar do país que cobra imposto de passageiros aéreos por respirarem ar limpo e subsidia bonecas Barbie para alegrar o Natal companheiro? Ou de uma revolução que monta uma produtora de cinema estatal para combater o "lixo" de Hollywood e patrocina a produção de um blockbuster sobre Simón Bolívar, o Libertador, para concorrer ao Oscar? Ou, ainda, um governante como Maduro que prende o "criminoso" líder dissidente Leopoldo López para depois tentar rifá-lo, como peça de escambo político, em troca da liberdade de um obscuro nacionalista porto-riquenho preso nos EUA? Ao vencedor, as batatas fritas. É COLABORADOR DA 'BLOOMBERG VIEW' E COLUNISTA DO 'ESTADO'

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