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Apesar dos cuidados do médico francês, a doença libanesa se agrava

Pela 42ª vez em pouco mais de dois anos, o Parlamento libanês foi incapaz de eleger um presidente da República por falta de quórum

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Por Issa Goraieb
Atualização:

Pela 42ª vez em pouco mais de dois anos, o Parlamento libanês foi incapaz de eleger um presidente da República por falta de quórum. Desde a expiração do mandato de Michel Sleiman e em flagrante violação da Constituição, que estabelece o dever dos deputados se reunirem em colégio eleitoral - as sessões continuam a ser sistematicamente boicotadas pelos partidos aliados ao eixo sírio-iraniano, liderado pelo Hezbollah xiita e a Corrente patriótica livre do general cristão Michel Aoun. 

As duas formações já deixaram muito claro que estão determinadas a bloquear qualquer votação que não resulte na eleição de Aoun; ora, a candidatura de Aoun é rejeitada pelos partidos e correntes políticas que se beneficiam do apoio da Arábia Saudita e das potências ocidentais.

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Esse impasse não tardou a influenciar a atividade do Parlamento, já reduzido ao seu mínimo necessário porque não está habilitado a legislar enquanto não levar a cabo sua tarefa principal: a eleição de um chefe de Estado. Por duas vezes a Assembleia renovou seu próprio mandato sob pretexto de que a situação da segurança no país não permitiu, nos últimos anos, a realização de eleições legislativas. 

Essa outra (e grave) violação das normas constitucionais é explicada sobretudo pela incapacidade das diversas facções políticas chegarem a um acordo sobre uma nova lei eleitoral que satisfaça a todas as partes. As comissões parlamentares mistas, encarregadas de solucionar, debatem desesperadamente o assunto, sem uma conclusão. 

A situação é ainda mais surreal porque o governo de união também está paralisado em razão dos profundos desacordos entre seus dois principais componentes, apesar da urgência dos problemas orçamentários, sócio econômicos, ambientais e de segurança enfrentados pelo país.

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Como pôr fim ao círculo vicioso? E por onde começar? A visita de 48 horas do ministro francês do Exterior a Beirute suscitou algumas esperanças em razão dos contatos diplomáticos, centralizados na crise libanesa, que se multiplicaram nos últimos tempos entre Paris, Teerã e Riad. Mas esse tímido otimismo rapidamente desapareceu uma vez que Jean Marc Ayrault não cessou de repetir que a eleição do presidente só pode ser fruto de um compromisso entre os próprios libaneses.

A França, ela própria vítima favorita do terrorismo (o que mais uma vez foi mostrado pelo atentado em Nice) se empenha sinceramente para poupar o Líbano das consequências da guerra na Síria, especialmente no tocante à questão presidencial. Pouco depois do colapso do império otomano foi a França, à época potência mandatária, que proclamou em 1920 o nascimento de um Estado do Grande Líbano. 

Respondia assim às aspirações dos cristãos deste país aos quais foi atribuída a presidência da República. Essa solicitude tradicional para com os maronitas do Líbano, que remonta à época de São Luis, hoje é duplicada devido à profunda inquietação com a sorte dos cristãos do Oriente que, com outras minorias religiosas, fogem em massa desses dois países alvos de perseguições e massacres que são o Iraque a Síria.

Foi exatamente para enfatizar as preocupações da França que o ministro Ayrault, que aliás mantém contatos com a totalidade das forças políticas libanesas, se reuniu com os chefes das igrejas orientais reunidos em torno do patriarca maronita. Um outro encontro, não menos destacado, foi o que teve com representantes do Hezbollah, despertando críticas acerbas de Israel. 

Como os outros países da União Europeia, a França já qualificou como terrorista o braço militar do Hezbollah, mas sem condenar o aparelho político da milícia; uma anomalia semântica explicada pela impossibilidade de ignorar a enorme influência política de um Hezbollah que acolhe sob sua bandeira a maior parte da comunidade xiita do país e está democraticamente representado no Parlamento e no governo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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