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Em encontro histórico na Coreia do Sul, Kim fala em ‘novo capítulo’ e ‘era da paz’

Pela primeira vez desde o fim da guerra um líder da Coreia do Norte entra no território sul-coreano; agenda terá como principais temas a desnuclearização, cooperação bilateral e o fim formal do conflito na península

Por Claudia Trevisan , Correspondente e Washington
Atualização:
Líder norte-coreano, Kim Jong-un, encontrao presidentesul-coreano, Moon Jae-in, emPanmunjom Foto: Broadcaster via REUTERS TV

Kim Jong-un atravessou o paralelo 38 que divide a Península Coreana às 9h28 locais desta sexta-feira e se tornou o primeiro governante do Norte a pisar no Sul desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953. Do outro lado da fronteira, ele foi recebido por Moon Jae-in, o presidente eleito em 2017 com uma plataforma que defende a coexistência pacífica e a cooperação entre os dois lados separados em zonas de influência comunista e capitalista depois da 2.ª Guerra.

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Em um momento histórico, o atual Kim apertou a mão de Moon e saltou o pequeno muro de concreto que divide os dois países na Zona Desmilitarizada de Panmunjom. Depois de posar para fotos ao lado do anfitrião, ele sugeriu que ambos fizessem o caminho inverso e dessem um passo para o outro lado do paralelo 38. 

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Após ingressarem na Casa da Paz, Kim assinou um livro de visitas, onde afirmou: “Uma nova história começa agora – no ponto inicial da história e na era da paz”. Em discurso, ele declarou que quer “iniciar um novo capítulo” nas relações com a Coreia do Sul e garantiu que Pyongyang não descumprirá mais acordos alcançados anteriormente entre os dois países.

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A agência estatal norte-coreana KCNA disse que Kim está disposto a discutir “de coração aberto com Moon Jae-in todas as questões envolvidas na melhora das relações intercoreanas e para alcançar paz, prosperidade e reunificação da península”.

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A cúpula foi a terceira da história entre Seul e Pyongyang, a primeira em 11 anos e a única realizada abaixo do paralelo 38. As duas anteriores, em 2000 e 2007, ocorreram sob o comando de Kim Jong-il, pai do atual ditador, e levaram presidentes sul-coreanos à capital do Norte.

Filho de refugiados de guerra da Coreia do Norte, Moon Jae-in aposta seu capital político na reaproximação com Pyongyang. Na agenda da reunião está a desnuclearização da península, a cooperação bilateral e a possibilidade de um acordo de paz que coloque fim oficialmente à Guerra da Coreia (1950-1953), suspensa por um armistício. 

O encontro deve ser seguido por uma reunião de cúpula entre Kim e o presidente dos EUA, Donald Trump, a ser realizada em maio ou junho. Os EUA manifestaram ontem seu desejo de que a o encontro entre as Coreias “avance a um futuro de paz”.

O atual representante da dinastia norte-coreana assumiu o comando do país mais fechado do mundo quando tinha menos de 30 anos e dedicou-se à construção do arsenal nuclear que levou a Coreia do Sul e os americanos à mesa de negociação. Nos sete anos desde sua chegada ao poder, ele realizou 99 testes de mísseis balísticos, mais que o dobro dos 46 conduzidos por seu pai ao longo de quase duas décadas.

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Centrada nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, as negociações da Coreia do Norte sobre seu programa nuclear têm impacto sobre outros países da região, que em algum momento gostarão de ter uma cadeira na mesa de discussões. Qualquer solução que seja alcançada não terá estabilidade se não contar com o apoio da China, vizinha, maior aliada e principal parceira comercial de Pyongyang, dizem analistas.

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As conversas têm o potencial de mudar o tabuleiro geopolítico da Ásia e realinhar os interesses dos atores da região. Ao alcance de armas convencionais e nucleares da Coreia do Norte, o Japão é o país que acompanha com mais apreensão a reaproximação entre os dois lados da Península Coreana. Norte e Sul são marcados pelos 35 anos de ocupação japonesa no início do século passado, quando eram um país unificado, e nutrem um ressentimento histórico em relação a Tóquio. 

Segunda maior aliada de Pyongyang, a Rússia também tem interesse nos destinos da negociação. Não por acaso, todos esses países integravam as conversas que tentavam uma saída para a crise até 2009, quando foram abandonadas pela Coreia do Norte. 

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“Não é possível ter qualquer acordo ou solução que não agrade à China”, disse Robert Daly, diretor do Instituto Kissinger sobre China e EUA do Wilson Center, em Washington. Segundo ele, nos últimos dois anos, Pequim tentou se distanciar do problema e apresentá-lo como algo que dizia respeito a Washington e Pyongyang. “A China pintou a Coreia do Norte e os EUA como crianças irracionais e a si mesma como o adulto racional.”

O cálculo não previa o súbito anúncio de que o presidente americano, Donald Trump, estava disposto a se encontrar com o norte-coreano Kim Jong-un, que passou os primeiros sete anos de seu governo isolado do mundo exterior e concentrado no desenvolvimento de seu programa nuclear. 

O chinês Xi Jinping reagiu e convidou Kim a visitar Pequim, o que ocorreu há um mês. Pyongyang também despachou seu ministro das Relações Exteriores para Moscou, onde ele se encontrou com o chanceler russo, Serguei Lavrov, há pouco mais de duas semanas. 

Lu Chao, especialista em Coreia do Norte da Academia de Ciências Sociais de Lioaning, na China, disse à Voz da América que será inevitável a participação de Pequim nas negociações. “O progresso de uma solução pacífica na península está intimamente relacionado aos interesses da China e não há maneira de a China se esconder nos bastidores e ser apenas um espectador.”

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Apesar de EUA, Coreia do Sul e China exigirem a desnuclearização da Coreia do Norte, há quase um consenso em Washington de que isso não ocorrerá, afirmou Daly, do Instituto Kissinger. “Quando olharmos para trás daqui a cinco ou dez anos, provavelmente, veremos essas cúpulas como o início do processo pelo qual os EUA e a comunidade internacional, gradualmente, se acomodarão à realidade de que a Coreia do Norte tem armas nucleares.” 

Dependendo de como as conversas avançarem, elas poderão afetar de maneira negativa a aliança entre os EUA e seus dois principais aliados na região, a Coreia do Sul e o Japão. Em artigo publicado na revista Foreign Affairs, Sheila Smith observou que divergência em relação a negociações com a Coreia do Norte esgarçaram os laços entre Washington e Tóquio no passado, o que poderá voltar a ocorrer agora.

Na semana passada, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, encontrou-se com Trump e alertou para o risco de Kim usar as negociações para ganhar tempo. “O líder do Japão deve estar preocupado com a possibilidade de Trump repetir os erros do passado e ceder logo em um esforço de evitar o confronto militar”, escreveu Smith.