Artigo: Magnata replica os últimos dias de Nixon na Casa Branca

Demissão do diretor do FBI é abuso de poder que pede uma resposta à altura de democratas e republicanos no Congresso dos EUA

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Por David Greenberg
Atualização:

Há mais de 40 anos, qualquer escândalo de grande porte na política americana é associado ao Watergate. Mas nenhuma ação presidencial – nem a negociação de armas para reféns no caso Irã-Contras, ou a ocultação por Bill Clinton do seu caso com a jovem assessora Monica Lewinsky – foram tão graves quanto os abusos em série cometidos pelo Executivo durante o governo de Richard Nixon. Até agora.

O ex-presidente dos EUA, Richard Nixon, renunciou em agosto de 1974 após a descoberta do escândalo Watergate. O caso se tratava de episódios de espionagem feitos pelo Partido Republicano, como instalação de escutas no escritório do Partido Democrata Foto: Mike Lien/The New York Times

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A demissão do diretor do FBI, James Comey, foi tecnicamente legal, pois o presidente Donald Trump agiu no âmbito da sua autoridade. Mas infringiu as normas democráticas que regem o uso do poder presidencial, ganhando conotações “nixonianas”. Com Trump agora espelhando as arbitrariedades descaradas de Nixon, a questão mais premente é se os republicanos do Congresso mostrarão a mesma coragem e integridade dos seus colegas por ocasião do Watergate.

Em ambos os casos, o presidente é suspeito de corromper o sistema eleitoral. Nos dois casos, também, investigações posteriores à eleição reuniram fortes indícios de crimes graves. E em ambos os escândalos seria crucial assegurar que o presidente não fosse autorizado a encerrar unilateralmente uma investigação sobre suas transgressões.

Em 1973, coube ao Congresso garantir que o sistema funcionasse. Do mesmo modo, nos próximos dias o Congresso novamente decidirá se as normas democráticas estão mantidas ou se, no governo Trump, os EUA darão um passo no sentido de adotar o modelo de Rússia, Turquia ou Venezuela – países onde há aparência de democracia, mas o estado de direito e a vontade dos eleitores não têm significado.

A temerária decisão de Nixon de demitir o procurador independente Archibald Cox foi contraproducente, em primeiro lugar, porque a imprensa e a sociedade manifestaram sua indignação, pressionando o Congresso a agir. Telegramas inundaram o Congresso. Os líderes democratas na Câmara rapidamente concordaram com a abertura de uma investigação para apurar se Nixon havia cometido atos passíveis de impeachment. Os democratas controlavam o Congresso, o que tornou mais fácil atribuir à Comissão de Justiça o poder de intimar os envolvidos. Mas muitos republicanos também colocaram o país acima do partido.

A questão hoje é se os republicanos no Congresso responderão novamente à altura. Muitos deputados e senadores criticaram abertamente Trump durante a campanha, mas desde que ele assumiu o governo poucos têm feito obstáculo ao presidente. Não é mais hora de evasivas. De todas as tendências autoritárias e comportamentos abusivos que Trump exibiu em 2016, o mais preocupante foi sua afinidade com Vladimir Putin e sua aparente despreocupação com a interferência russa na democracia americana. A demissão de Comey pode ter acabado com a perspectiva de sabermos a verdade sobre a relação de Trump com o autocrata russo.

Os republicanos no Congresso permitirão que os comitês de inteligência busquem, sem interferências, a história completa dos contatos entre autoridades russas e assessores de Trump, incluindo Michael Flynn, Roger Stone, Carter Page e Paul Manafort? Os senadores deixarão que Trump nomeie alguém leal a ele para dirigir o FBI, o que acabará pondo fim à investigação? Darão poderes de intimar aos comitês-chave no caso e se comprometerão com a busca persistente da verdade? O que ocorreu na noite de terça-feira é, certamente, o momento da verdade. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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*É HISTORIADOR

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