Artigo: Por trás dos tuítes

O 'choque do caos e do espetáculo' de Trump desvia a atenção de ações radicais tanto domésticas quanto no exterior

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Por Katrina Vanden Heuvel
Atualização:

Enquanto Washington está voltada para os tuítes, palhaçadas, mentiras e o “russiagate” de Donald Trump, seu governo promove uma escalada oculta no envolvimento militar americano no Oriente Médio. O “choque do caos e do espetáculo” de Trump desvia a atenção de ações radicais tanto domésticas quanto no exterior. No Oriente Médio, o governo envolve cada vez mais os EUA em guerras sem fim, com o aumento do perigo de confrontos militares diretos com a Rússia e o Irã.

Em pesquisa divulgada nos EUA, Trump aparece com 36% de aprovação, o pior índice desde que chegou à Casa Branca no dia 20 de janeiro Foto: AP Photo/Evan Vucci

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O aprofundamento do envolvimento militar acelerou-se nas últimas semanas. O governo vai mandar mais 4 mil soldados para o Afeganistão e outros 400 para a Síria. Os EUA dispararam 23 mísseis de cruzeiro contra uma base aérea síria em retaliação pelo suposto emprego pelo país de armas químicas contra civis. 

Em semanas recentes, forças americanas bombardearam milícias apoiadas pelo Irã que avançavam no sul da Síria e derrubaram um jato sírio que sobrevoava o espaço aéreo sírio. A Rússia interrompeu a coordenação de esforços destinada a evitar colisões aéreas e anunciou que aviões americanos voando a oeste do Rio Eufrates serão atacados. 

Enquanto a batalha contra o Estado Islâmico (EI) chega ao estágio final, o Pentágono parece determinado em manter uma presença na Síria a fim de impedir que o presidente Bashar Assad retome o controle do país.

A escalada contradiz diretamente com declarações de Trump durante a campanha. Trump deu a entender que não via razão para tomar partido na guerra civil da Síria, sugerindo que talvez os EUA pudessem se juntar à Síria e sua aliada Rússia para combater o Estado Islâmico. Prometeu acabar com o EI, mas sem se envolver no Oriente Médio. Essa posição sensibilizou eleitores cansados de guerra e ávidos por um líder que enfrentasse os desafios internos dos EUA. Tal compromisso foi claramente para o lixo.

A escalada também assusta pela ausência de estratégias discerníveis – um vácuo estratégico. No Afeganistão há 16 anos, o país conta a perda de milhares de vidas ao custo de quase US$ 1 trilhão, sem ter conseguido estabelecer um governo capaz de defender a si mesmo. O Taleban hoje controla mais território do que controlava antes da última investida de Barack Obama. Na Síria, os EUA parecem prestes a atacar o brutal regime de Assad, mas não têm planos nem vontade de derrubá-lo. 

Ao contrário da Rússia, os EUA não foram convidados a entrar na Síria pelo governo de Damasco. Assim, quando forças americanas derrubam um avião da Síria no espaço aéreo sírio ocorre um ato de guerra, que viola diretamente a Constituição americana. Como fez Obama antes dele, Trump alega que a Autorização para Uso de Força Militar (AUMF), emitida após o 11 de Setembro, autoriza o governo dos EUA intervir na Síria. Mas esse documento permite o uso de força apenas contra aqueles que perpetraram os ataques do 11 de Setembro. 

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A Síria de Assad não teve nada a ver com aqueles ataques, e além disso combate o EI e a Al-Qaeda. Ironicamente, a suposta aliada Arábia Saudita é que tem contribuído com fundos e ideologia para a Al-Qaeda e seus rebentos sunitas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

*É EDITORA E PUBLISHER DA REVISTA ‘THE NATION’

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