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Artigo: Trump pode ir à guerra, mas não tem plano para a paz

Para o sucesso, líderes americanos têm de ter um conjunto claro de objetivos: um fim realista, como chegar a ele e quais são os riscos

Por Ilan Goldenberg , Nicholas Heras e Bloomberg
Atualização:

O ataque com mísseis contra a base aérea de Shayrat, na Síria, decidido pelo presidente Donald Trump em razão do uso de armas químicas contra civis pelo regime de Bashar Assad, foi uma resposta adequada a um ato de horror atroz. Mas, como analistas que sempre defenderam um maior envolvimento militar dos Estados Unidos para pôr fim à guerra civil na Síria, estamos divididos quanto à decisão do presidente: nosso medo é o de que não haja nenhum plano para o futuro.

Para garantir o sucesso, além dos ataques limitados da quinta-feira, os líderes americanos têm de estabelecer um conjunto claro de objetivos: um fim realista, como se chegar a ele e quais são os riscos. Propomos três opções para o caso de seguirmos em frente com essa operação.

Trump fala em Mar-a-Lago, Palm Beach, sobre o ataque dos EUA à Síria Foto: Alex Brandon/AP Photo

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Os Estados Unidos poderiam implementar uma estratégia limitada concentrada em investidas isoladas em resposta ao uso de armas químicas pelo regime sírio. No caso atual, o ataque contra a base aérea de onde saiu o gás sarin provavelmente será suficiente. O presidente Assad e seus generais entenderão a mensagem e deixarão de usar esse tipo de arma.

Mas Trump poderá descobrir que não foi o bastante. O regime sírio continuará a aterrorizar civis com ataques aéreos, mísseis terra-terra e uso de artilharia contra áreas densamente povoadas. E continuará a privar os habitantes de comida e transferir populações para dividir comunidades.

Humilhação. Imagens de crianças mortas e “lindos bebês”, como observou o presidente, continuarão a ser vistas na TV. E as forças de Assad e seus aliados russos podem intensificar os ataques, para humilhar Trump e demonstrar a ineficácia da força militar americana. 

Assim, a pressão sobre os Estados Unidos para que respondam poderá aumentar e será difícil Trump resistir. Os EUA lentamente começarão a expandir seus objetivos e observaremos uma escalada do conflito, podendo se chegar a uma situação similar à da Líbia em 2012, quando uma missão limitada de proteção dos civis se transformou numa operação mais ampla com o objetivo de mudar o regime.

Alternativamente, o governo pode ir além de apenas tentar dissuadir o regime do uso de armas químicas. Por exemplo, pode dar prioridade ao fim da guerra civil e preencher os vácuos de segurança – fonte dos ataques extremistas e dos amplos fluxos de refugiados que vêm desestabilizando os parceiros dos Estados Unidos no Oriente Médio e na Europa.

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Para atingir esses objetivos, os EUA ameaçariam lançar mais mísseis contra alvos do regime de Bashar Assad, salvo se o presidente sírio e seus aliados russos deixarem de atacar civis em territórios controlados por seus opositores. Os Estados Unidos podem estabelecer como alvo uma série de estruturas, como fábricas de armas, bases militares e até ministérios em Damasco responsáveis pelas operações de guerra. Usar ataques com mísseis é muito menos perigoso do que aviões pilotados lançando bombas. 

Os Estados Unidos não teriam de destruir antes todas as defesas aéreas da Síria – medida altamente provocativa que certamente resultaria em vítimas russas, uma vez que conselheiros russos colaboram na operação de muitos desses sistemas. Em seguida, os Estados Unidos passariam a trabalhar com grupos armados moderados em áreas onde se concentra a oposição ao regime, para marginalizar os extremistas e estabilizar esses territórios.

Essa é uma estratégica arriscada. Os russos se deslocam por toda a Síria, e estão ou em bases do regime ou assumindo um papel de consultores integrados nas forças de Bashar Assad nas linhas de frente da guerra. Se o Exército americano inadvertidamente matar um número significativo de russos, as tensões entre as duas maiores potências nucleares do mundo podem disparar. Os EUA poderiam alertar a Rússia sobre os alvos de ataque, como foi feito nesta semana, mas os riscos aumentarão na medida em que o número de alvos crescerem.

Além disso, essa estratégia exige uma oposição armada moderada viável, que sirva como parceira local efetiva nas operações de campo. Esses grupos existem no sul e leste da Síria, mas são muito mais fracos na região noroeste do país, que é muito disputada e onde ocorreram os ataques com armas químicas.

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Uma opção militar final seria pressionar Assad a partir do sul do país, onde os Estados Unidos e a Jordânia apoiam uma coalizão de grupos moderados de oposição conhecidos como Frente do Sul. Nos últimos anos, essa força, no geral, estabilizou as áreas que fazem fronteira com Israel e a Jordânia e combateu duramente o Estado Islâmico. Mas ela também tem sido contida por EUA e Jordânia, que preferem uma frente estável perto da fronteira da Jordânia e ameaçaram cortar sua ajuda militar se a coalizão atacar agressivamente demais. Se essa restrição for eliminada, a força rebelde poderá em breve dominar Damasco e exercer pressão sobre o regime.

Terra arrasada. Mas isso exigirá uma intensificação dos combates numa região que tem se mantido muito calma nos últimos anos. O regime de Assad provavelmente reagirá usando as mesmas táticas de terra arrasada que tem adotado. E os civis é que sofrerão. Além do mais, a Frente do Sul pode obter uma vitória avassaladora e, inadvertidamente, derrubar Assad, e o resultado seria o caos. Nesse caso, Jordânia e Israel sentirão os efeitos desestabilizadores da intensificação dos combates sobre suas fronteiras.

No final, todas essas opções militares serão inúteis se não produzirem um resultado político. As três opções militares delineadas colocarão os Estados Unidos em posição de vantagem nas negociações com Rússia, Irã, Assad, Turquia e os Estados do Golfo, mas somente se Trump tiver uma clara ideia do objetivo desejado.

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O objetivo político mais viável é uma Síria que permaneça uma única nação, com um modelo de governança em que o poder seja devolvido pelo governo central para atores locais que detêm o território em seis zonas diferentes de controle em que o país está hoje dividido. Essa ideia reflete a realidade local e o apoio a ela tem aumentado entre os especialistas na medida em que a guerra se intensifica.

Isso exigirá uma importante força de sustentação diplomática para mediar um acordo entre turcos e curdos no norte do país. Os Estados Unidos terão de pactuar com a Rússia e Irã sobre quem retomará o território atualmente em mãos do Estado Islâmico e da Al-Qaeda. E teremos de tranquilizar Israel e Arábia Saudita no sentido de que a influência iraniana na Síria será contida.

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Infelizmente, essa é a parte final e mais importante de qualquer plano para a Síria – o plano político –, o que nos preocupa muito ao observarmos o enfoque do governo Trump a respeito. Discordamos do ex-presidente Barack Obama quando ele mantinha muita precaução antes de adotar qualquer medida com relação à Síria. A guerra nem sempre funciona desse modo. Às vezes é preciso assumir riscos e jogar com tudo. No caso de Trump, temos ainda de ver alguns sinais de que ele tem uma abordagem política mais ampla em mente. 

Há menos de uma semana a equipe de Trump afirmava que a deposição de Bashar Assad era irrealista e, em vez de se concentrar na guerra civil no oeste da Síria, o governo daria prioridade à luta contra o Estado Islâmico, no leste da Síria. O próprio presidente passou dois anos se opondo a um aprofundamento do envolvimento americano no Oriente Médio. 

Diplomacia. Sua equipe de governo ainda tem de se envolver seriamente nos processos diplomáticos em torno do conflito sírio, como as conversações intensivas em Astana, no Casaquistão, patrocinadas pelos russos, ou a grande conferência internacional sobre a reconstrução da Síria realizada na semana passada em Bruxelas. 

O mais preocupante é que esse governo colocou em segundo lugar a diplomacia, a ajuda externa e a reconstrução como instrumentos de política externa americana, com cortes financeiros enormes nessas áreas e deixando claro para a comunidade internacional que os Estados Unidos estão se retirando da coordenação desses esforços.

Se os Estados Unidos decidirem transformar os ataques táticos limitados na Síria em um ganho estratégico real, a equipe do presidente Trump terá de mudar sua abordagem e se concentrar não só em ganhar a guerra – mas também em ganhar a paz. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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* ILAN GOLDENERG É DIRETOR DO MIDDLE EAST SECURITY PROGRAM DO CENTER FOR A NEW AMERICAN SECURITY. 

NICHOLAS HERAS É MEMBRO DO CENTER FOR A NEW AMERICAN SECURITY,

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