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Artigo: Uma falsa ideia de libertador 

Fidel não levou mais ordem ao caos do Chifre da África que outras potências estrangeiras maiores

Por Charles Lane
Atualização:

Digam o que disserem de Fidel Castro, na África ele foi um libertador. Sua ajuda à luta sul-africana contra o apartheid será sempre lembrada como um grande aporte de liderança moral, em contraste com a política americana. Esse é o tema de várias mensagens post-mortem simpáticas ao ditador cubano. 

O apoio de Fidel ao Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela e a atuação de seu Exército contra as tropas sul-africanas na vizinha Angola, durante a Guerra Fria, contam para Fidel no balanço da história. Se isso contrabalança a aprovação de Fidel à invasão soviética da Checoslováquia em 1968; ou seu apoio a Muamar Kadafi na Líbia e Hugo Chávez na Venezuela – sem falar nos desastrosos resultados do próprio comunismo em Cuba – é uma espinhosa questão. 

Fidel Castro em julho de 2006 Foto: Jose Goitia|The New York Times

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Respondê-la exige uma avaliação mais ampla da atuação de Fidel na África – incluindo as regiões orientais do continente, onde Cuba interveio militarmente a favor do ditador etíope tenente-coronel Mengistu Haile Mariam nos anos 70. Mengistu participou de um vitorioso golpe contra o imperador Hailé Selassié, apoiado pelos EUA, em 1974, chegando ao poder em 3 de fevereiro de 1977 após massacrar os rivais nas Forças Armadas. 

Fidel considerava essa ação sangrenta um golpe preventivo contra os “direitistas”, uma demonstração de tirocínio que levou Cuba a apoiar Mengistu “sem nenhum constrangimento”. 

Fidel planejava levar a Etiópia para a órbita soviética numa aliança com dois vizinhos do país apoiados pela URSS, o Iêmen e a Somália. Entretanto, o ditador somali, Mohamed Siad Barre, tinha outros planos. Ele via no levante em Adis-Abeba uma oportunidade para ocupar território etíope há muito habitado por somalis étnicos. 

A Somália invadiu essa região árida, conhecida como Ogaden, em julho de 1977. Fidel respondeu enviando 17 mil soldados (armados e transportados por Moscou) para salvar Mengistu e punir o que considerava – corretamente – uma clara violação das leis internacionais por Siad Barre. Na época, o presidente americano, Jimmy Carter, queria melhorar as relações com Havana e até considerava pôr fim ao embargo a Cuba. A intervenção militar cubana na África tornou impossível para Carter concretizar a abertura. 

Hoje, claro, o Chifre da África continua tumultuado. A Somália é um Estado falido, que nem 25 mil soldados dos EUA conseguiram estabilizar no início dos anos 90. 

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É difícil ver que benefícios resultaram da intervenção de Fidel. O que mais impressiona, porém, é a falta de sentido nisso. Cuba não levou mais ordem ao caos do Chifre da África que outras potências estrangeiras maiores – do Império Britânico à Itália de Mussolini e aos EUA de Barack Obama – que ali intervieram por séculos.

Talvez o general Arnaldo Ochoa, comandante das forças cubanas em Ogaden (e depois em Angola) pudesse encontrar uma moral para a história. Infelizmente, o herói cubano das guerras na África morreu em 1989. Fidel, temendo que Ochoa pudesse se tornar um rival político, julgou-o sob acusações forjadas de traição e tráfico de drogas. O general foi fuzilado ao amanhecer. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

*É EDITOR 

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