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As covas de rohingyas são prova de massacre em Mianmar

A existência de cinco covas coletivas de rohingyas indicam a ocorrência de massacres em Mianmar – carnificinas que os militares birmaneses sempre negaram

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Por Redação
Atualização:

A Associated Press confirmou nesta quinta-feira, dia 1º, a existência de cinco covas coletivas de rohingyas, que indicam a ocorrência de massacres em Mianmar – carnificinas que os militares birmaneses sempre negaram. Há alguns dias, a junta que governa o país assinou um acordo com Bangladesh para facilitar a volta da maior parte dos 650 mil rohingyas (minoria muçulmana) expulsos por ordem dos generais budistas que governam Mianmar. 

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Em dois anos, os rohingyas serão reinstalados. O anúncio criou uma grande – e falsa – esperança. Todo mundo sabe que os rohingyas não voltarão. Quem não acredita, basta atravessar o Rio Naf, que serve de fronteira entre Mianmar e Bangladesh. Em Bangladesh, existem imensos campos de refugiados que abrigam mulheres, crianças, idosos, adultos, refugiados que viviam perseguidos pela junta.

Refugiados Rohingya navegam pelo rio Naf em uma balsa improvisada, depois de fugir de Myanmar, rumo a Cox's Bazar em Bangladesh Foto: Foto: Navesh Chitrakar | Reuters

O êxodo ocorreu em três etapas: em 1978, em 1991 e no ano passado. Por que a perseguição? Porque são muçulmanos. Mianmar, budista, nunca aceitou essa minoria, miseravelmente confinada em Arakan. A terrível junta budista que governa o país atiçou o ódio e ajudou a organizar e executar, com seus soldados, a dispersão dos rohingyas, a partir de setembro.

Hoje, em Bangladesh, o horror toma a forma de intermináveis fileiras de tendas que permitem apenas que os rohingyas não morram. Essa gente miserável, deportada, desprezada, maltratada, luta para sobreviver num país estrangeiro, em condições indignas. Nada se pode esperar de Bangladesh para amenizar a situação: o próprio país é um dos mais pobres do mundo. Assim, pessoas privadas de tudo dependem de um país que não tem nada.

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Então, por que esses infelizes rohingyas não aceitam o acordo? A resposta é simples: eles sabem que, se voltarem, seu destino continuará sendo infernal. Para se avaliar o tamanho da desgraça, basta ouvir o que eles dizem nos campos de Bangladesh aos representantes de ONGs e jornalistas.

Eles temem que os carrascos de Mianmar, a pretexto de os ajudarem a voltar para casa, os torturem de novo. As autoridades birmanesas anunciaram, no dia 23, que estão “prontas para receber os rohingyas que quiserem se reinstalar em seus povoados”. Mas os vilarejos em questão ainda estão em chamas e os rohingyas que lá decidiram permanecer vêm sofrendo, há um mês, tantas humilhações que eles próprios estão prestes a fugir para Bangladesh. 

Há alguns dias, caminhões do Exército com alto-falantes percorreram os vilarejos aterrorizando os sobreviventes: “Vocês não são cidadãos de Mianmar. São de Bangladesh. Saiam daqui ou vamos matá-los”. Em um dos acampamentos, uma refugiada disse ao enviado do jornal Le Monde: “É melhor cavar um buraco aqui e se enterrar do que retornar a Mianmar”.

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Outra mulher contou que fugiu de seu povoado, Shikali, em agosto. O marido foi morto. Ela viu três crianças de uma mesma família serem assassinadas. Viu homens serem queimados. Viu um menino de 5 anos, Raisal, ser decapitado. Há dezenas, centenas de testemunhas da violência. Ninguém as desmente, corrige ou contradiz.

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Para Abu Said, de 63 anos, “seria mais humano se jogassem uma bomba no campo. “Teríamos ao menos um funeral.” E acrescentou: “Alguns dizem que, se forem obrigados a voltar a Mianmar, tomarão veneno ou se jogarão debaixo de um caminhão”. Fica a pergunta: por que a tragédia não é tratada como genocídio? Mas não percamos a esperança. A ONU já admitiu que a desgraça dos rohingyas tem componentes que evocam um genocídio. Coragem, pois! / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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