As vicissitudes da guerra

No Iraque e na Síria, o Estado Islâmico ganhou terreno, mas está longe de uma vitória definitiva

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A se dar crédito ao sentimento predominante em cidades conquistadas e incorporadas ao chamado "califado" do Estado Islâmico (EI) - ou situadas às suas margens -, os jihadistas estão ganhando a guerra. “O EI veio para ficar”, diz um médico de Faluja, referindo-se ao controle que o grupo mantém sobre Anbar, a maior Província do Iraque. É uma reversão significativa do cenário que se desenhava há poucos meses, quando a campanha contra o EI parecia estar indo bastante bem.

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Naquela altura, milicianos curdos sírios tinham derrotado o EI na cidade de Kobani, na fronteira da Síria com a Turquia. No Iraque, os jihadistas haviam sido expulsos de 25% do território que estava em suas mãos desde a blitzkrieg lançada por eles há um ano. Também tinham sido expulsos de Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein. Pouco antes do fim do ano, falava-se até numa ofensiva para retomar Mosul, segunda maior cidade do Iraque. Mas, com a retirada das forças do regime sírio de Palmyra, agora tremula sobre essa cidade histórica a bandeira do EI. Em 17 de maio foi a vez de Ramadi, capital de Anbar, cair. A percepção de que o EI estava recuando sofreu, portanto, um abalo considerável.

Barack Obama disse que a perda de Ramadi foi um mero “revés tático”. De lá para cá, porém, teve início um jogo de empurra. O secretário de Defesa dos EUA, Ashton Carter, afirmou que o colapso das forças iraquianas diante de um inimigo numericamente inferior foi consequência da falta de “vontade de lutar”. Por sua vez, críticos internos de Obama, como John McCain, que preside a Comissão de Forças Armados do Senado americano, acusam a falta de comprometimento e a debilidade do esforço militar. Todos têm alguma razão.

Jihadistas do EI 'desfilam' em veículo militar iraquiano Foto: Arquivo/AP

A captura de Ramadi, em si, não tem maiores consequências. Fazia vários meses que a cidade vinha sendo atacada e é perfeitamente possível que as forças iraquianas e seus aliados iranianos sejam bem-sucedidos na tentativa - já em andamento - de retomar a cidade. Em abril, anunciou-se com histeria na imprensa que o EI estava prestes a entrar em Damasco, depois de milicianos seus terem aparecido de surpresa em Yarmouk, um campo de refugiados palestinos nos arredores da capital síria. Com muito menos escarcéu, o grupo desapareceu da área - um sírio diz que há meses a capital não parece tão segura. Nos últimos dias, as forças iraquianas recapturaram Husayba, uma pequena cidade em Anbar, e interromperam o avanço do EI em direção à base militar de Habbaniya.

De qualquer forma, os sucessos recentes do grupo devem-se mais à fragilidade das forças que o enfrentam do que a seu próprio poderio. Na Síria, o regime de Bashar Assad parece estar atravessando seu momento mais periclitante desde 2012. Seu exército fugiu de Palmyra. Ainda que as milícias xiitas do Iraque combatam com vigor em algumas regiões, o Exército do país - em que predominam os xiitas e cujos comandantes com frequência enfiam os pés pelas mãos - reluta em combater e morrer por território sunita. Se esse problema não for equacionado, é possível que os jihadistas consigam mais avanços. O governo iraquiano continua resistindo à ideia de armar as tribos sunitas, que poderiam defender suas próprias terras.

Os ganhos recentes também são insuficientes para que o EI possa contornar suas fragilidades. O grupo precisa angariar um enorme volume de recursos para sustentar a pretensão de constituir um califado. No entanto, suas fontes de receita, como a venda ilegal de petróleo, os resgates obtidos com sequestros, a pilhagem de objetos de valor histórico, são todas vulneráveis a uma pressão coordenada - e os despojos de guerra começam a escassear.

Além disso, a estrutura extremamente hierarquizada expõe o grupo às incursões conduzidas pelas forças especiais dos EUA com o objetivo de “matar ou capturar” determinados líderes - como a realizada na Síria no dia 15, que resultou na morte de Abu Sayyaf, o cérebro financeiro da organização. Uma coordenação maior da campanha aérea também poderia fazer o EI recuar. As forças ocidentais realizam meros 15 ataques diários - em contraste com os 50 ataques diários que a Otan conduzia contra as forças muito inferiores que Kadafi tinha na Líbia. McCain diz que em 75% dessas missões não se disparam tiros nem se lançam bombas, pois os alvos não chegam a ser identificados. Isso poderia mudar se os EUA despachassem para a região controladores aéreos avançados. E, se assessores e treinadores militares americanos acompanhassem as forças iraquianas em suas ações, é possível elas lutassem com mais afinco.

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Os iranianos também precisam refletir sobre sua estratégia. Apoiar o cada vez mais frágil regime de Assad é uma política fadada ao fracasso, que só serve para fortalecer o EI. Já o governo iraquiano de Haider Abadi deveria honrar suas promessas de inclusão. Ao negar armas e apoio militar, os desconfiados líderes de Bagdá deixam as tribos sunitas com um poder de fogo muito inferior ao do EI. Os EUA poderiam fazer muito mais para ajudar. Mas, acima de tudo, é o veneno do sectarismo iraquiano, aliado à brutalidade do regime sírio, que alimenta o EI.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM 

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